Confissões
Na discrição do seu olhar e no silêncio da sua voz, procuro uma
brechinha para aninhar a carência do amor.
Na rapidez do seu abraço, procuro, desesperadamente, afinar
minha pulsação com as batidas sempre aceleradas do seu peito, na
ânsia de entender o descompasso involuntário dos nossos passos nessa vida.
Formulo hipóteses sem nexo, tentando prolongar as brevidades
do seu sorriso, perpetuando, assim, meu olhar apaixonado em seu
rosto de menino.
Em seus beijos rasteiros e desajeitados, tento interpretar seus
carinhos, mesmo sabendo o quão indecifráveis os são.
Ao seu lado sinto a inquietude dos seus gestos e o desconforto
dos seus atos, que são refletidos na verdade absoluta dos seus olhos.
Ao seu lado, sinto o resumo das suas vastas filosofias e a troca
incontida das poucas idéias que compartilhamos.
Sinto que, mesmo estando lado a lado com seu corpo ou frente
a frente com seu rosto, jamais estamos juntos. Jamais conseguirei
aprisionar seu arredio e inconfessável amor.
Você sempre esteve muito longe de mim, mas eu jamais permiti
que sua presença escapasse, mesmo que por um minuto, do meu
coração. Tudo isso porque amo você acima da sua inteligência, da sua
lucidez, da sua competência, ou mesmo, da sua contestação!
Amo você acima de todos os seus mistérios, acima de todas as
suas insistências em permanecer alheio a essa verdade.
Amo você como parte integrante da minha alma.
Amo você como um poeta que não consegue sobreviver longe
dos seus versos, como um escultor que necessita de constante
inspiração para reinventar a matéria bruta do seu dia-a-dia.
Amo você, mesmo antes de testemunhar a longa e difícil
caminhada que percorreu até conquistar seu valor - um mérito que
sempre soube existir na aparente insegurança das suas decisões.
Amo você desde o tempo em que adorava quebrar o silêncio da
nossa casa com a “banda marcial” das panelas e das tampas
surrupiadas dos armários da cozinha.
Amo você desde o tempo em que aceitava trocar alguns beijinhos
no rosto por muitas “toneladas” de chocolate; desde a época em que
conseguia convencê-lo (com quatro anos de idade) a me chamar de
“tata”, e, em troca, ganhar duas ou três caixas de cigarrinhos de
chocolate. Hoje, eles não existem mais: nem os cigarrinhos, nem meus
subornos convencionais.
Hoje, o que existe é a certeza que sou apaixonada por você,
perto ou longe dos seus olhos, acima ou abaixo do seu coração, ao
lado ou atrás da sua vida.
E se, um dia, eu ainda tiver coragem o suficiente, irei abraçá-lo
por um tempo inconfessável e, depois, enchê-lo de beijos estalados
até ouvir, mesmo sob pressão, sua inadiável e tão esperada confissão.
Nesse dia, quero estar no meu Juízo Perfeito, sem necessitar de
advogado para defender minha tese nem de promotor para acusar
minha infantil necessidade de ser amada. Nesse dia, queria apenas
testemunhar a Autoridade Divina absolver, com delicadeza, os
sentimentos cativos das nossas almas, quebrando o gelo que distancia
a união das nossas essências.
Quando, enfim, esse dia chegar, deixarei de ser uma intocável
no mundo das suas idéias. Terei acesso livre aos seus abraços e presença garantida na Fortaleza do seu coração.