Ele acreditou...

ELE ACREDITOU...

Alfredo era aquele marido chato, rabugento, impertinente, estressado. Reclamava do cachorro que latia. Do interfone que tocava. Do som da casa do vizinho. E até do barulho das louças quando estavam sendo lavadas ao meio-dia. Só mesmo a sua “Santa Esposa” a Cleidinha para agüentar tal traste. Não era à toa que tinha o apelido de “ Amélia” aquela que achava bonito não ter o que comer. Assim, ela zelava pela tranqüilidade do seu querido e amado marido. Calçava pantufa para evitar barulhos. Ficava vigiando a casa para ninguém perturbar sua sesta. Tinha horror a cachorro, mas fazia o sacrifício de carregá-lo no colo para que não latisse no momento do repouso do seu cônjuge. Achava graça das suas grosserias e justificava todas suas atitudes mal educadas e egoístas.

Mas como tudo tem limite, um dia Cleidinha procurou Marilu para um desabafo. Imagina que Alfredo, não tinha mais de que reclamar agora, estava implicando com ela. Dizia que não suportava mais o roncado da esposa. Ameaçava dormir em quarto separado. No meio da noite, xingava a três por quatro. Diabo, diabo, para de roncar mulher. Ela humildemente se desculpava. Dizia que ronco era doença. Mas ele com seu jeito de “ cavalo batizado”, cada vez era mais rude e desagradável com a pobre esposa que tanto o paparicava.

Fez de tudo para parar de roncar. Usou todos os métodos que leu nas revistas, que as colegas ensinaram e procurou até conselhos na internet. Mas nada dava jeito. As reclamações eram cada vez mais agressivas e ameaçadoras. Vou mudar de quarto.

Apaixonada como era pelo Alfredo, aquilo era a última coisa que suportaria em sua vida.

Marilu aconselhou a amiga uma consulta médica. E lá vai ela para a capital em busca de recurso. Na noite que antecedeu a visita médica, hospedou-se com uma amiga e foi logo recomendando. Ronco muito. Posso dormir na sala para não incomodar. Mas a anfitriã disse que tinha sono pesado, roncava também e fazia questão que dormisse com ela no quarto já que só havia um único dormitório no apartamento. Muita sem jeito, mas por insistência não teve alternativa. Na manhã seguinte, Paula a amiga de Cleidinha, disse que não tinha escutado nenhum roncado. Achou que era exagero da amiga.

O médico passou uma série de exames, fez algumas recomendações e marcou data para retorno. Voltando para casa, muito esperançosa em ficar curada, contou tudo para marido feliz da vida.

E nessa noite, não querendo perturbá-lo logo que Alfredinho adormeceu ela saiu de ponta de pé do quarto e foi dormir na sala para que o “santo marido”, tivesse uma noite de anjo. Logo ao amanhecer retornou ao dormitório sem que ele nada percebesse. Mas mal o traste abriu os olhos, foi logo dizendo. Êta! Mulher, como você roncou essa noite. Não preguei os olhos. Longe de Cleidinha, desmentir o marido. Ficou na dela. Caladinha mas intrigada com tal atitude. Como? Se nem dormi aqui, pensou desolada. E continuou agüentando todas suas rabugices, mas agora consciente que ele exagerava. Podia ate roncar, mas não tanto como dizia. E pela primeira vez na vida teve que concordar com a voz do povo. Que homem chato!

Chegou à hora do retorno da consulta. Cleidinha foi ter com o médico, mas antes advertiu o marido. Vou levando todos os exames. O doutor disse que vai me curar. Todos os pacientes dele param de roncar. Na conversa com o especialista ele explicou exatamente o contrario. O ronco era uma doença que para cada caso era um tratamento. Às vezes cabia até cirurgia. Que era preciso averiguar, mudar hábitos, etc, etc. Difícil cura. Mas como ela já desconfiava que seu mau não era dos maiores, que doente mesmo era Alfredinho, ela chegou em casa com uma outra história. Alfredinho estou curada. Tomei umas injeções que garantem mais de um ano sem ronco. Já fiz o teste na casa de Paulinha. Dormi sem um barulho. Livrei - me do maldito ronco. Vamos fazer o teste mais uma vez aqui.

Acreditando fervorosamente na mulher, Alfredinho não fez uma sequer reclamação naquela noite. Nem na segunda, nem na terceira e nem nunca mais. Indignada, porém com a atitude inconcebível do marido, Cleidinha agora dava o troco. De vez enquanto na calada da noite ela batia no pé do maridão e dizia: Alfredo! Alfredo! Você tá roncando. Vire para o outro lado. Mexa-se que seu sono fica tranqüilo.

É Alfredinho, Amélia também tem limite...

Maria Dilma Ponte de Brito
Enviado por Maria Dilma Ponte de Brito em 07/12/2006
Reeditado em 12/06/2020
Código do texto: T311588
Classificação de conteúdo: seguro