Em marcha
No último sábado, resolvi dar um pulo no Palácio da Alvorada – mas não foi um pulo tão grande que me permitisse saltar o lago que separa a casa da presidente de nós, meros eleitores. Fui, na verdade, levado até lá por minhas primas que estavam conhecendo a cidade. Como na minha época de turista não tive ninguém que me levasse lá, foi também a primeira vez que vi em que tipo de casa se mora quando se preside o Brasil.
Não que eu tenha visto grande coisa: a casa está a ano-luz dos turistas. De onde estávamos, tudo que conseguimos observar foi que perto da entrada havia um estranho movimento circular de alguns animais, que podiam tanto ser patos como emas. Provavelmente um enfeite. Enfeite de casa de presidente. Para turistas como nós, o Palácio da Alvorada oferece um soldado inglês, que fica em exposição dentro de um cercadinho, durante duas horas, bancando a estátua e servindo de escultura para os fotógrafos.
Outra atração é jogar moedas no lago e fazer um pedido. Não sei quem irá atender essas pessoas. Imagino que a presidente Dilma não irá recolher as moedas e aplicá-las na nossa economia. Estávamos todos tão perto da presidente, e teríamos muitas coisas a dizer para ela, mas preferimos jogar uma moeda no lago, e demo-nos por satisfeitos.
E vimos também soldados saindo de seus turnos como sentinelas. Ao contrário do esperado, eles não marchavam. No que estão muito certos. Hoje, as pessoas que menos marcham em toda a nação são os soldados. Digo isso porque, no mesmo dia, duas grandes marchas aconteceram em Brasília: a das vadias e a da liberdade.
A primeira pretendia defender valores como o respeito e a dignidade à mulher, e combater o machismo e a exploração masculina. Só pretendia. Como a ironia não é uma figura de linguagem muito apreciada entre nós, foram poucos os que entenderam a sutileza do nome da marcha, e imagino que boa parte dos seus entusiastas também não tenha entendido, e por isso tanta gente a usou como desculpa para assumir uma certa liberalidade.
Houve, no entanto, muito mais gente do que na outra marcha. A bem da verdade, a marcha da liberdade fracassou. Pouca gente participou e, provavelmente, porque queriam que muita gente participasse. O manifesto conclamava a participação de usuários de maconha, negros, homossexuais, povos da floresta, vegetarianos, feministas, ambientalistas, educadores, operários, ciclistas, bombeiros, jornalistas, escritores, artistas de rua e maltrapilhos – até os mendigos do Sudoeste seriam muito bem vindos.
Donde se vê que bastava ter alguma coisa para reclamar. Eu mesmo cheguei a pensar em participar para defender a crônica, esse gênero desprezado pela literatura e vilipendiado pelo jornalismo. Por fim, acabei entendendo que, por ser uma marcha da liberdade, eu estava livre também para não participar. E por isso apenas acompanhei, da janela do hotel em que minhas primas estavam, a pacata caminhada.
E ali fiquei, a pensar sobre a minha liberdade – e, confesso, não a querendo.