O Chamuscão - Poções

Vinicius Dantas me escreveu falando do Chamuscão e pergunta se lembro de histórias daquele local. Tanto ele como eu vivemos, ali, momentos inesquecíveis. Nossa diferença de idade deve ser de aproximados 30 anos e significa que o Chamuscão reinou e fez história na vida de muita gente.

Defronte ao posto de Miguel Labanca, onde hoje é o prédio comercial que abriga a Ótica Poções e a Farmácia de Amorim, ficava o Bar de Duca, a Visgueira. Ao lado, havia uma ponta de terreno e Jorge Dantas resolveu fazer a Churrascaria Chamuscão. Foi construída no ano de 1970.

Fazer churrasco não era a praia de Jorge. Também não era a praia do morador de Poções sair para almoçar ou jantar. Não demorou muito e virou um bar, graças a Deus. O lugar passou a ser o nosso reduto, uma espécie de quartel general da noite (dia) da cidade.

De construção simples, paredes de bambu natural, piso cimentado de xadrez vermelho, mesas e bancos feitos de pedaços de troncos de eucalipto. Tinha sanitários decentes. O sistema de som era controlado de dentro do bar, onde Jorge administrava os dois negócios de uma só vez, através de uma estratégica porta que permitia a ligação entre os ambientes.

A primeira formação de garçons que me lembro foi Tonheá e Obed França. Eram dedicados e atentos a todas as mesas com liberdade para opinar nas conversas. Jorge os ajudava e era mestre em servir cerveja: se haviam duas pessoas ele trazia copos altos e esvaziava a garrafa de uma vez. Se fossem cinco pessoas, trazia copos menores e enchia todos também de uma só vez.

Sábado à noite, pelo menos, havia uma atração e o Chamuscão virava boate, com luz negra, entrada paga e mesas reservadas antecipadamente. Bastava baixar as janelas e estava transformado no “ambiente fatal”. Num destes sábados, Ricardo Benedicts lançou o primeiro dos seus discos (leiam no www.recantodasletras.com.br as centenas de textos escritos por ele, inclusive casos de Poções). O Chamuscão ficou mais famoso ainda. Sempre freqüentado e apoiado pelos principais artistas, poetas e visitantes da cidade. Sem dúvida, pelos melhores bêbados, também. Aliás, eu sempre achei que os nossos bêbados sempre fizeram sucesso porque eles eram bêbados conhecidos e não alcoólatras anônimos.

Marcávamos nossos encontros naquele espaço. Lá, curávamos a ressaca do dia anterior. Lembro do carnaval que Tonhe Banana (Antônio Fagundes Filho) passou em Poções. Fizemos um bloco de pouco mais de 10 pessoas e transformamos o Opala vermelho, de teto preto, em um trio elétrico. Praticamente alugamos o Chamuscão naqueles dias de festas.

Mas, temos que entender que o Chamuscão não representou apenas um bar famoso da nossa cidade. Posicionou-se como um referencial por permitir abertamente a freqüência masculina e feminina (tão liberal que a última mesa da direita era sempre ocupada por Daniel Rosinha).

Nossa juventude amadureceu mais cedo, rompeu o tabu de anos, onde beber em bar só era permitido para homens e em espaços chamados de “reservado”. A possibilidade de dar continuidade aos papos nascidos no jardim da praça era ali, o Chamuscão. Podíamos freqüentar até altas horas, sem qualquer preconceito ou julgamento devido à seriedade e respeito sempre impostos pelos Silva Dantas. Além do mais, podíamos, ainda, beber e deixar a conta pendurada e pagar por semana.

Valeu Jorge. Valeu Vinicius pela lembrança. Cabe a nós, saudosistas, mandar confeccionar uma placa e afixar na parede do atual prédio:

“Aqui, durante anos, enquanto Chamuscão, viveu e cresceu a juventude poçõense”.

Luiz Sangiovanni
Enviado por Luiz Sangiovanni em 07/12/2006
Código do texto: T311526