Bésame mucho
Deixei o seminário em junho de 1952. Deixei-o com os ouvidos encharcados de benditos; e de Cantochão, também.
E não podia ser diferente: meus claustros eram extremamente conservadores. Cuidavam, com ostensivo rigor, de preservar a cultura mongil, que os dominava inteiramente.
Não era, pois, de admirar que eu conhecesse a fundo as mais de cinquenta páginas do piedoso hinário adotado pela capela do meu seminário, construído pelos franciscanos alemães, no alto da serra da Borborema, no Estado da Paraíba.
Estimulado pelo silêncio que, à tardinha, envolve o meu gabinete de trabalho, vez em quando, vejo-me cantarolando alguns antigos benditos, ou ouvindo música gregoriana.
Ingressei na "vida profana" - assim se dizia quando um seminarista deixava a batina -, na fase áurea dos boleros. Fazia enorme sucesso o mancebo que dançasse, com perfeição, por exemplo, Palabras de mujer e Solamente una vez, do Augustin Lara.
Eu tive, então, que aprender, rapidamente, a dançar bolero. Ou aprendia o doce molejo do "dois pra lá, dois pra cá", ou caía no esquecimento das tostadas morenas cearenses de olho no ex-seminarista, na avaliação delas, uma agradável surpresa!!!
Passei a frequentar as festinhas modestas de bairros distantes da pacata Fortaleza da década de 50. Devo às pacientes dançarinas dos subúrbios da capital alencarina meu triunfal acesso aos clubes sociais da cidade, àquela época, grã-finos e animadíssimos.
Bailei, bailei, em memoráveis farras, ao som de sedutores boleros, interpretados por Lucho Gatita e por Gregório Barrios. Dos almas e Vereda tropical, lembrando dois.
Havia, entretanto, um bolero que, até sua introdução provocava, nos dançarinos, um indescritível frenesi... Bésame mucho, era o bolero.
As orquestras tocavam-no com religiosa perfeição. E os crooners, em noites bem românticas, caprichavam ao interpretá-lo, zelando pelo portunhol.
Valia-lhes um robusto cachê. E mais do que isso, o demorado aplauso dos casais apaixonados - "como se fuera esta (aquela?) noche la ultima vez..."
Remexendo, na madrugada de hoje, velhas pastas, dei com o recorte do jornal que noticiou, com pouco destaque, a morte de Consuelo Velásquez, a compositora de Bésame mucho.
Recordo-me, que ao saber da notícia através dos jornais, cheguei a ligar o computador, com o propósito de escrever uma crônica para ela.
Momentâneas preocupações, não me lembro quais, não me deixaram escrevê-la como eu queria, ou seja, sob o impacto causado pelo telegrama que acabara de ler, noticiando sua morte.
Para não perpetuar minha imperdoável omissão, rabisquei, nesta tarde quente de Salvador, esta pequena crônica; e a solto, agora, pelo mundo, na esperança de que ela chegue às mãos de cada fã da inesquecível criadora de Bésame mucho.
Consuelo Velásquez morreu no início de 2005, com 88 anos de idade, me confirma o precioso recorte, já um tanto amarelado.
Que o mundo não lhe erga somente estátuas; ou dê a uma rua qualquer o seu nome. Faça de Bésame mucho sua permanente presença entre nós...
Deixei o seminário em junho de 1952. Deixei-o com os ouvidos encharcados de benditos; e de Cantochão, também.
E não podia ser diferente: meus claustros eram extremamente conservadores. Cuidavam, com ostensivo rigor, de preservar a cultura mongil, que os dominava inteiramente.
Não era, pois, de admirar que eu conhecesse a fundo as mais de cinquenta páginas do piedoso hinário adotado pela capela do meu seminário, construído pelos franciscanos alemães, no alto da serra da Borborema, no Estado da Paraíba.
Estimulado pelo silêncio que, à tardinha, envolve o meu gabinete de trabalho, vez em quando, vejo-me cantarolando alguns antigos benditos, ou ouvindo música gregoriana.
Ingressei na "vida profana" - assim se dizia quando um seminarista deixava a batina -, na fase áurea dos boleros. Fazia enorme sucesso o mancebo que dançasse, com perfeição, por exemplo, Palabras de mujer e Solamente una vez, do Augustin Lara.
Eu tive, então, que aprender, rapidamente, a dançar bolero. Ou aprendia o doce molejo do "dois pra lá, dois pra cá", ou caía no esquecimento das tostadas morenas cearenses de olho no ex-seminarista, na avaliação delas, uma agradável surpresa!!!
Passei a frequentar as festinhas modestas de bairros distantes da pacata Fortaleza da década de 50. Devo às pacientes dançarinas dos subúrbios da capital alencarina meu triunfal acesso aos clubes sociais da cidade, àquela época, grã-finos e animadíssimos.
Bailei, bailei, em memoráveis farras, ao som de sedutores boleros, interpretados por Lucho Gatita e por Gregório Barrios. Dos almas e Vereda tropical, lembrando dois.
Havia, entretanto, um bolero que, até sua introdução provocava, nos dançarinos, um indescritível frenesi... Bésame mucho, era o bolero.
As orquestras tocavam-no com religiosa perfeição. E os crooners, em noites bem românticas, caprichavam ao interpretá-lo, zelando pelo portunhol.
Valia-lhes um robusto cachê. E mais do que isso, o demorado aplauso dos casais apaixonados - "como se fuera esta (aquela?) noche la ultima vez..."
Remexendo, na madrugada de hoje, velhas pastas, dei com o recorte do jornal que noticiou, com pouco destaque, a morte de Consuelo Velásquez, a compositora de Bésame mucho.
Recordo-me, que ao saber da notícia através dos jornais, cheguei a ligar o computador, com o propósito de escrever uma crônica para ela.
Momentâneas preocupações, não me lembro quais, não me deixaram escrevê-la como eu queria, ou seja, sob o impacto causado pelo telegrama que acabara de ler, noticiando sua morte.
Para não perpetuar minha imperdoável omissão, rabisquei, nesta tarde quente de Salvador, esta pequena crônica; e a solto, agora, pelo mundo, na esperança de que ela chegue às mãos de cada fã da inesquecível criadora de Bésame mucho.
Consuelo Velásquez morreu no início de 2005, com 88 anos de idade, me confirma o precioso recorte, já um tanto amarelado.
Que o mundo não lhe erga somente estátuas; ou dê a uma rua qualquer o seu nome. Faça de Bésame mucho sua permanente presença entre nós...