Os pés e não os seios



     Hoje estive com Berenice, minha manicure, e fiz as unhas. Há alguns anos ela cumpre, com eficiência e esmero, a tarefa de manter minhas mãos razoavelmente bonitas, se é que assim as posso considerar.

     Graças à sua habilidade no manusei do seu amolado mini alicate, perdi, definitivamente, o medo de remover a cutícula que emoldura minhas unhas, durante anos maltratadas pelos meus afiados dentes.
  
     Sim, porque eu as roía despudoradamente; mormente nos momentos de ansiedade, de preocupação, e de desejos por mim considerados inacessíveis, irrealizáveis...

     O condenável costume de roer as unhas eu adquirira na infância, apesar dos esforços de minha santa mãe procurando me libertar desse condenável vício, com o seu incisivo "tire a mão da boca!".

     Me recordo que, num determinado instante, ela, de coração partido, passou pimenta nos meus dez dedos, com o objetivo de me obrigar a deixar de roer as unhas.
     A pimenta, parceiro, não era a de cheiro; era a pimenta malagueta. E como todo mundo sabe, a malagueta arde mais do que todas as outras pimentas juntas.

     Mas foi com a valiosa ajuda das manicures que deixei de roer minhas unhas e passei a dar melhor tratamento aos dedos de minhas buliçosas mãos.  
     Pela decisão tomada, não faltou quem me aplaudisse. Aplausos, principalmente daquelas que, com frequência, mergulhavam em profundos sonos, com a ajuda, espontânea e oportuna, de manual carinho...
    
     Enquanto Berenice - uma mulata de mamas fartas e nádegas avantajadas - catucava minhas unhas, inclusive as dos meus pés, olhando pro seu exuberante busto, eu me lembrava do que lera sobre os seios, no belíssimo livro de Mary Del Priore, intitulado Histórias Íntimas.

     Em maravilhosos capítulos a autora de A Carne e o Sangue discorre, longamente, sobre a "sexualidade e erotismo na história do Brasil". 
     A certa altura, surpreende, mostrando como os seios não interessavam aos homens dos século 19. Esses irresistíveis adornos femininos eram chamados, até pelos médicos, de "aparelhos de lactação". O quê?

     Nesse tempo, escreve Del Priore, eram os pés das mulheres "que mais atraíam olhares de atenções masculinas".  Eles tinham um "caráter erótico", mais do que qualquer outra parte do corpo feminino, inclusive os seios.

     Fato, diz a escritora, realçado pelos romancistas da época, citando, entre outros, José de Alencar, em A pata da gazela, e Joaquim Manuel de Macedo, em Memórias da Rua do Ouvidor. 

     Vejam o que enfatiza Mary Del Priore: "Os pés enlouqueciam os homens. Eram o `fetiche´da época." Lembrando que, o andar (os pés, digo eu) de Luísa levou Dom Pedro II a por ela se apaixonar. Falo de Luisa  Barral.

      Enfeitiçados pelos pés, os varões, estranhamente, relegavam os peitos das mulheres a segundo plano, numa tremenda injustiça ao que acima chamei, e aqui repito, de irresistíveis adornos femininos.
 
     Ora, nem Salomão, no Cântico dos Cânticos, deixou de celebrar, em versos doce, as mamas de Sulamita: "Os teus dois seios parecem dois cervotinhos,/ filhos gêmeos de uma gazela." Mesmo que, em determinado momento, tenha se referido aos pés de sua paixão: "Quão belos são os teus pés"...

     Perdido nessas reflexões sobre os pés, no século 19 considerado "o fetiche mais sensual", despedi-me de Berenice, já se preparando para fazer as unhas de uma jovem mulher de pés bonitos e seios tentadores...   
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 23/07/2011
Reeditado em 22/10/2019
Código do texto: T3113219
Classificação de conteúdo: seguro