Tolo Consolo

Estaquei na esquina da Avenida Consolação com a Rua Pedro Taques.

Estaquei no meio da rua, mesmerizado pelo que minha retina desenhava: o muro branco, alto e imponente do Cemitério; uma construção funérea cinzenta – um cinza escuro, pesado, úmido, tal como o céu desta sexta-feira feia de inverno – destacava-se, tendo ao fundo Ipês-Roxos carregados de flores com seus galhos entremeados aos depenados galhos das outras árvores.

Foi depois da buzinada que me tirou da catatonia que vi, no muro, escrito com spray vermelho: “Eu venci a morte!”. Logo abaixo, à direita, havia uma assinatura: “PPZ”.

Não pude conter o riso diante da prepotência de alguém com a finitude semelhante à daquelas folhas de outrora que estiveram penduradas naqueles galhos agora nus, sendo açoitados pela ventania que fazia na ocasião.

Depois do riso diante da pichação, fiquei embotado.

Certa vez, rejubilei-me nas areias de certa praia onde uma novela foi filmada, pois, ao tentar salvar um amigo que não sabia nadar, quase fomos os dois pro colo do capeta. Eu sabia apenas bater os braços e me mover; bater os braços com eles envoltos em alguém desesperado e com o meu porte físico me fez cair no mesmo buraco que ele e engolir água salgada entre um pedido vão de socorro e outro. E foi sentado na areia - depois de milagrosamente conseguir içar-nos com o dedão do pé – que tive uma das maiores crises de riso da minha vida, enquanto meu amigo me olhava com os olhos marejados de lágrimas e uma expressão de consternação de cachorro que caiu da mudança saltando de cada muxoxo e lamúria que saltavam de seus lábios.

Passada a crise, escrevi com o dedão do pé, naquela areia que as ondas lambem: Eu venci a morte!

Três marolinhas depois minha exaltação de triunfo sobre a imorredoura e misericordiosa donzela estava apagada.

Uma outra buzinada, acompanhada de um palavrão e um dedo médio, tiraram-me do devaneio e fizeram com que meus pés me encaminhassem aos meus compromissos laborais, enquanto eu me amaldiçoava por ter deixado a câmera fotográfica em casa.

Hot Water Music - She Takes It So Well

22/07/2011 – 12h15m

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 22/07/2011
Reeditado em 22/07/2011
Código do texto: T3111598
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