O CONTO DA COCA-COLA

Mais um dia de trabalho, eu com meus indumentos sociais, sapato preto um tanto surrado, camisa de gola e paletó, sentado no banco da Mercedes coletiva (ônibus). Vou de parada em parada olhando as pessoas e suas expressões faciais, tentando decifrar o que se passa por suas cabeças, algumas parecem aflitas, outras estressadas como se tivessem atrasadas, nessa breve meia hora de trajeto da faculdade até o centro, porém não vi ninguém sorrindo. Há um tempo já havia comentado sobre esse aspecto, as pessoas nas ruas dificilmente riem, na verdade, na maioria das vezes olham para você com cara feia, se precisam passar, rasgam um “DÁ LICENÇA MOÇO!”, como se estivéssemos cometendo um sacrilégio.

A de se entender que cada um tem que cuidar da sua vida, mas justamente tento refletir sobre isso para entendê-la melhor, estamos sempre atrasados, corremos atrás de objetivos que muitas vezes nem são nossos, assumimos os problemas automaticamente, é o trabalho, a faculdade, o banco, as parcelas, cartões, nem ao menos paramos para pesar o que é prioridade, tentamos resolver tudo ao mesmo tempo e acabamos esquecendo o real sentido de estarmos aqui. É claro que não vou dar aqui uma resposta única, pois sabemos que verdades universais são plenas de contestações, entretanto todos nós possuímos um centro comum somos potencialmente humanos, e como tal temos a nossa disposição a razão e a emoção, se não dosarmos um equilíbrio entre ambas talvez nunca encontremos o real sentido da vida.

Existem mitos urbanos, contos aterrorizantes das áreas rurais, que quando criança nos deixava acordados e faziam-nos “mijar” na cama, todavia depois de adultos, capazes e independentes somos plenos de nossa consciência que nos permite distinguir entre o real e o abstrato, porém por mais patético que parece caímos em contos do vigário diariamente, como se ainda tivéssemos cinco anos, é como dizem os grandes publicitários: “- mais fácil que tirar doce da boca de criança”. E é exatamente isso que acontece. Vai dizer que há trinta anos sua mãe tinha vinte pares de sapato e para cada sapato uma bolsa e um vestido que combinasse, descartando, é claro, a hipótese de ela ser uma duquesa filha dos senhores feudais, duvido muito. E os produtos de beleza, creme para mãos, para os pés, para o rosto, para as pernas, tornozelos, cotovelos, joelhos, pálpebras, hum? será que me esqueci de algum lugar?

Vejam bem minhas queridas, não critico de forma alguma a necessidade que as mulheres têm de se arrumarem, se embelezarem, aliás aprecio muito a vaidade feminina, entretanto, tudo tem seus limites aceitáveis, é essa razoabilidade que perdemos com a “magnifica” globalização dos mercados que tivemos graças ao “brilhante” capitalismo aliado as novas tecnologias, que dão nascimento a outra onda desenfreada de consumismo, a moda agora é televisor PLASMA, LCD, LED, CRISTAL LÍQUIDO, CELULAR THOUCH SCREEM? NOTEBOK? Tá por fora, a bola da vez é o TABLET PC.

Globalização, tecnologia, publicidade (abusiva, enganosa) são o terremoto que gera esse tsunami de consumo, fazendo com que as “pessoas” comprem cada vez mais coisas que não precisam que não tem necessidade, futilidades dispensáveis, que depois acabam virando lixo e mais lixo, que entopem bueiros, que geram enchentes, que desmoronam morros sobre casas. Depois essas mesmas “pessoas” vão dar palestras e entrevistas sobre meio ambiente e planos do governo para conter a poluição. Francamente não temos mais idade para essa palhaçada, precisamos ter consciência social, pois nossas atitudes, ações ou omissões, tem reflexo no bairro, cidade, no mundo em que vivemos, afinal somos ou não humanos?

Nesse dia no ônibus, em uma das últimas paradas presenciei uma das cenas que tenho certeza jamais vou esquecer enquanto tiver lucidez, uma lição de moral, de compaixão, de afeto, o mais puro significado de família, um aprendizado para uma vida. Sobre a vista da vitrine de uma loja de telefonia, estavam três crianças com sua mãe, aparentemente esperando um coletivo. Todos com roupas simples, mas nenhum estava sujo, com as vestes rasgadas ou algo do tipo, o que demonstrava o cuidado e zelo que eles recebiam, a mãe magra, com traços de mulher sofrida do sertão, segurava firme uma bolsa velha debaixo do ombro direito, cuidando atentamente quando a sua linha chegasse. Ao seu lado, sobre a mureta da vitrine, estavam dois meninos menores aparentemente gêmeos por volta dos sete anos e um irmão maior com mais ou menos doze. Todos os quatro dividiam uma garrafa de Coca-Cola de 600ml, que passava de mãos em mãos cuidadosamente, para que numa espécie de revezamento todos tomassem um pouco do refrigerante de gole em gole. Os poucos minutos que o ônibus ficou ali parado, me permitiu viajar naquela sena e imaginar se nós seguíssemos o exemplo daquela família, de compartilhar, de vivermos com o conforto do necessário e não das futilidades do luxo exagerado e dispensável, de preservarmos e cultivarmos os valores humanos, os valores da família, de respeitar o próximo, o meio em que vive, a natureza, talvez soubéssemos hoje o real sentido da vida, o real sentido de sermos humanos.

Lucas Carini

(22-07-2011)

Lucas Carini
Enviado por Lucas Carini em 22/07/2011
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