Contradições em pleno século XXI

Se Vinícius de Moraes estivesse entre nós, certamente mudaria

a primeira estrofe da sua famosa composição, “Garota de Ipanema”,

para algo semelhante a : “Olha que coisa mais séria, que falta de

arte.”

Ficaria surpreso com a apatia da sociedade em relação ao declínio cultural do nosso país. Isso sem falar na juventude, cada dia mais dependente dos modelos sociais. Vinícius perguntaria pela cultura, e eu responderia que ela está algemada pelo poder da mídia. Interessante observar que nada em nosso país possui uma definição exata; tudo está embasado em fatos contraditórios.

Em pleno século XXI, cujo lema é a paz, presenciamos o total

domínio da violência! E por falar em cultura, analisem, atualmente,

a festa mais popular do Brasil: o Carnaval! As marchinhas cederam

lugar aos “bondes”, letras de músicas deprimentes conduzem

crianças, jovens e adultos num misto de delírios e desabafos. São os

efeitos (ou defeitos) da Globalização? Os resultados, nem sempre

benéficos, da Modernidade. O povo está se habituando a tirar a

“máscara da moral” e se esquecendo de colocar a de “pierrô

apaixonado”! A magia está cedendo, forçadamente, seu lugar à baixaria. Precisamos urgentemente “filtrar” a infinidade de informações,

diversões e eventos “culturais” que invadem nossas vidas, sem prévia

autorização.

Assisti pela TV cenas impressionantes, na qual, incentivados

pela letra de um mix carnavalesco , jovens esbofetearam-se frente às

câmeras, exibindo performances violentas aliadas à uma coreografia

sagaz e abusiva, mas pior mesmo aconteceu cenas depois, quando o

compositor daquela ultrajante melodia revelou que sua “sublime”

inspiração estava relacionada à sua própria experiência sexual com a

namorada, em que tapas e safanões faziam parte do amor. Segundo

ele, eram “ingredientes” indispensáveis para apimentar as atividades

sexuais do casal. Será que as mulheres, as crianças ou as vítimas de

agressões e de violência doméstica concordam com a afirmação “um

tapinha não dói”? Em pleno século XXI , quantas contradições...

Dia desses, após despertar pela manhã, liguei o rádio e algo estranho chamou minha atenção. Ao invés de receber informações sobre as primeiras tragédias do dia , palavras doces e carinhosas eram acopladas à poemas delicados, exaltando a beleza e a coragem da

mulher brasileira.

Apesar da estranheza, confesso que não dei muita importância

ao suspeito repertório matinal, afinal, milagres às vezes acontecem.

Ao longo da tarde, o tema das inúmeras programações foi unânime:

valorização da mulher brasileira.

Para fechar o dia com “chave de ouro”, fui recebida com rosas

na entrada de um supermercado. Com elas, o fim do enigma:“Parabéns pelo Dia Internacional da Mulher.” Para me certificar da tremenda “patacoada”, verifiquei a data no celular. Oito de Março.

Tudo explicado! Só me conformei porque poderia ter sido pior: 1º de

abril! Absolutamente cômico se não fosse absurdamente trágico!!!

A mulher é vítima de repertórios humilhantes durante o ano todo, elogiada pela sua coragem por um dia no ano, obrigada a manter

uma imagem positiva perante a sociedade em tempo integral e, ainda,

receber o rótulo de “sexo frágil”?

Podemos imaginar, novamente, Vinícius de Moraes sentado à

beira-mar, em Ipanema. Logo à frente, eis que surge, uma galera de

“manos”, ocupando o mesmo espaço para apreciação do concorrido

cenário. Nesse momento, duas inspirações“brotam”,instantaneamente, dos corações sedutores presentes.

O motivo de tamanha inspiração aproxima-se. Uma “Deusa Dourada”, dona de olhos infinitamente azuis, exalando graça e maresia a cada passo, contracenando com a areia alva da praia.

Vinícius de Moraes, mais que depressa, puxa do bolso a conhecida e

“surrada” caderneta, iniciando sua composição: “Olha que coisa mais

linda, mais cheia de graça. É ela, menina, que vem e que passa, num doce balanço à caminho do mar.”

Logo à frente, a galera inicia o batuque inspirador na latinha de cerveja, dando vazão a tão profunda composição: “As cachorras,

Uhh..uhh..uhh..uhh a preparada Uhhh... a popozuda Uhhhh...”

Realmente, a cultura em nosso país está a beira da morte...

O pior é saber que ainda corremos o risco das atuais “Deusas

Douradas” emocionarem-se com a segunda inspiração, rotulando de

“brega” a primeira. Poucos conseguem distinguir a diferença, gritante, entre elogio e insulto. A juventude feminina, influenciada por tantos valores inversos, não consegue diferenciar o exemplo de mulher que merece valorização. Para conseguir a admiração ou a atenção do sexo oposto, vale tudo, da submissão à apelação. Qual exemplo deveria ser

“copiado” pelas mulheres do nosso país? O exemplo de Helen Keller,

que lutou com determinação contra todas as dificuldades possíveis

que sua limitação lhe impunha? O exemplo de Anna Sullivan, que

venceu em nome do amor e provou a importância da perseverança e

da superação perante algo “quase impossível” de se realizar ? Ou,

quem sabe, o exemplo de Carla Perez, que lutou contra todas as

críticas injustas e venceu em nome do Tchan ? Nada contra a

dançarina, mas convenhamos que Helen Keller e Anna Sullivan

possuem atributos bem maiores para admiração. Não só elas, mas

tantas mulheres extraordinárias de outra ou da nossa nacionalidade,

cujos feitos estão, praticamente, esquecidos nas prateleiras dos sebos

literários. E o que dizer sobre os pré-requisitos para comandar um

programa de TV ou gravar um CD infantil ? A “educação informal”

está contribuindo para a formação de futuros cidadãos conscientes e

transformadores da realidade em que atuam? Imaginem que as

lendárias Tiazinha (estimulando o sadomasoquismo), Feiticeira

(usando da magia sexual para conquistar seus “amos”) e Carla Perez

(usando o Tchan para subir na vida) foram modelos copiados por

quase todas as crianças e os adolescentes do Brasil, há alguns anos.

Hoje em dia, as “frutas” tomaram conta da dieta dos brasileiros. tem

mulher melancia, mulher moranguinho, mulher melão... uma salada

mista anticultural. Para quem gosta de plantas, a mulher samambaia resolve todos os problemas. Bom, antes a samambaia que o tiririca... fala sério!

As canções românticas de antigamente são cafonas. Os “caras”

inteligentes, como dizíamos, “bom partido” não passam de nerds “sem

noção”. Letras deprimentes estão nos primeiros lugares das paradas de

sucesso. E ainda tem gente “invocando” com a letra folclórica “Atirei

o pau no gato”, alegando apologia aos maus tratos animais.

Realmente, o futuro histórico-cultural do nosso país está sob o domínio

da mídia. Estamos à procura de tantos erros, ou mesmo, buscando a

origem desse círculo vicioso, que parece nunca ter fim.

Enquanto isso, a novela da vida real continua com o enredo repleto de aventuras emocionantes. Histórias que camuflam o lema “O amor vence limites” são passadas e reprisadas diariamente nos programas televisionados, nos quais barrigas enormes são exibidas com glória, estimulando a produção independente - fruto de amores impossíveis. O modelo de família, trabalhado arduamente pelos professores no início da fase escolar, não possuem nenhuma importância.

Novamente, as crianças não conseguem interpretar esse “jogo do contrário”, o conceito do certo e do errado.

O culpado de tudo? Um dos três: a escola, o professor ou a

coitada da “Educação”. Nenhum advogado quer patrocinar essa

causa... é algo sem futuro!

E a cultura ? “Tá dominada... tá tudo dominada”.

E se pensarmos bem sobre o assunto, encontraremos um

culpado? O que pensar dos diretores de TV que não fazem nada para

melhorar o nível cultural da população? Vamos pensar: será que

cultura dá ibope? Sem ibope não há emprego, e, sem ele, os diretores

estão “na rua”. Como disse anteriormente, estamos envolvidos num

círculo vicioso, e nele ninguém “arrisca o pescoço” para tentar a sorte.

Mas não desanimem. Ainda restam outros culpados: o governo,

a censura. Será que medidas rígidas para controlar a baixaria na TV

resolveriam a situação? Existirá um horário adequado para baixarias?

Quanto às punições previstas por lei, melhor esperar sentado,

afinal, a justiça é lenta, e, muitas vezes, falha!

Por enquanto, o melhor a fazer é frequentar um curso de

rebolado intensivo, tentando responder às perguntas constrangedoras

dos nossos filhos enquanto assistem as novelas picantes, exibidas em

horário nobre.

Mudar o canal seria a solução, ou estimular a curiosidade seria

ainda pior? Fingir que cenas inadequadas são absolutamente normais

ou seria o ideal deixar perguntas sem respostas? Essas são algumas

das infinitas dificuldades da Vida Moderna, em que esperar medidas

do governo é acreditar em historinhas de Lobo Mau.

Se o governo é o que mais tem dificuldade em definir o que seja

abuso, como esperar dele a solução para tantos problemas?

Tivemos um presidente que ganhou fama e admiração por ter

estabilizado a moeda, encerrando, assim, o caos inflacionário no nosso

país; porém, é bom lembrar que nem só de equilíbrio vive o povo

brasileiro. Observamos, então, o Senado: totalmente desestruturado,

não está nem um pouco preocupado em resolver os problemas da

sociedade, mas em promover uma interminável guerra de acusações

sobre o assunto do momento: a corrupção (que, afinal, não é tão

recente assim.)

Mas, e nós ? Estaríamos preparados para viver sem corrupção?

Afinal , ela já faz parte do patrimônio histórico do nosso país.

É cômico associar a elevação do gasto social com o fim de cada

mandato, afinal, 90% do povo (se fizer esforço) pode lembrar o que

comeu no almoço, mas somente 10% recordará o que comeu na

semana passada.

Podemos reformular, então, a famosa e conhecida frase do

Guaraná Antártica, para usá-la como slogan político do nosso país:

“O povo não é nada, imagem é tudo”. Afinal, para que nos

preocuparmos com a Educação em nosso país?

O governo correrá o risco da situação se inverter: 90% do povo

poderá lembrar dos inúmeros dias em que não teve o que comer e

tentar solucionar tal situação.

Será que essa cena, há séculos esperada, teria destaque na

televisão?