VOCÊ ACREDITARIA?
A pesca era o seu esporte predileto, aliás, o único que ainda se atrevia a praticar, após se conscientizar de que aquela barriguinha- fruto de litros de chope e de comidas pesadas- não aconselhava nada mais radical.
E todos os sábados iamos encontrar o Ernesto arrumando sua tralha, para desencanto - ou desespero - de sua pobre mulher, que dava duro a semana inteira e sempre via frustrado o tão prometido passeio e o almoço fora.
"Lá vai ele de novo. Me deixa aqui sozinha, cheia de trabalho e vai se divertir, encher a cara de cerveja e ainda por cima trazer aqueles peixes fedorentos que eu ainda vou ter que limpar!"
Estremecia só em pensar na sua cozinha tão amada com um monte de escamas salpicadas pelas paredes, pia, geladeira e, durante uma semana, insistindo em aparecer nos lugares mais insólitos.
Pior é que o Ernesto lhe tinha dito que "dessa vez a coisa é grossa, porque a pescaria vai ser em Ponta Negra e vamos passar a noite inteira na praia".
Da janela, manda um recado ao Ernesto, que se preparava para entrar no carro;
- Ernesto, como você desta vez vai ter mais tempo, vê se limpa o peixe na praia mesmo e deixa minha cozinha em paz, tá?
Um meneio de cabeça e um aceno sinalizam que a mensagem foi recebida e o beijinho soprado ao final encerra o assunto.
O carro arranca e o Ernesto vai ao encontro dos amigos, que seguem em outro veículo até o ponto marcado e daí para a praia.
Chegam ao areal e aquele frenesi de costume se apossa deles, que saem à procura da "boca" onde a profundidade é maior, assim como a chance de achar o peixe.
Vão em fila, caminhando rente à linha dágua, quando o primeiro aponta para algo à sua frente.
- Ei, o que é aquilo?
Ao longe, vê-se um volume, vagamente cilíndrico, meio enterrado na areia.
Chegando perto percebem que é um saco de lona listrada, como o que os marinheiros usam quando vão à terra.
Entre medrosos e curiosos, demoram a decidir se o abrem "e se tiver um cara morto aí?" ou se o deixam ali mesmo e seguem em frente. Vence a curiosidade. O Ernesto, reunindo toda a coragem que lhe resta, saca da faca e - ligeiramente trêmulo - vai cortando a lona e percebe que, por dentro, ainda há outro saco de grosso plástico .
Felizmente o cheiro que exala nada tem de carniça e sim de perfume que de fato era.
Pelo menos três dúzias de frascos de perfume foram retirados e levados para local mais seguro, afastado da orla.
Provavelmente, algum contrabandista acuado pela Guarda Costeira tenha desovado o produto do seu "trabalho" , as correntes tenham levado o bagulho até à praia e o vai-vém das ondas acabou por partir diversos frascos, que, ao final, ensoparam o valente Ernesto.
Com a pescaria se mostrando péssima, o jeito foi fazer uma fogueira, cobrir o saco de perfume, colocar as varas "na espera" e dormir embalados pelo som do mar e pelo conteúdo de incontáveis latas de cerveja.
Acordaram com o som mais forte da maré enchente e, alvoroçados, perceberam que tudo tinha sido roubado: caixas de isopor "pô, ainda tinha um monte de latinhas", varas e, é claro, todos os frascos de perfume!
Ernesto chega em casa arrasado, enjoado com o cheiro daquela droga de perfume que não largava dele e esbarra logo com a Ademilde, sua mulher, que dispara a inevitável pergunta, - Cadê os peixes, Ernesto?
Amuado, ele lhe conta toda a estória, que ela ouve com as mãos fincadas na cintura e balançando ritmadamente a cabeça. como a dizer; sim, sim, sim...
- Acabou, Ernesto? Então você me chega em casa depois de uma noite inteira de "pesca" (e aí o tom já é de ironia) , sem peixe nenhum, sem material, com um bafo desgraçado de tigre e ainda por cima encharcado de perfume barato e quer mesmo que eu acredite nesse papo? Nunquinha, meu caro!
Arranca da sala, demora-se um pouco e retorna toda vestidinha e com uma maleta na mão.
Assustado, Ernesto levanta-se do sofá e,visivelmente apavorado, indaga aonde ela vai.
- Para a casa da mamãe, seu traidor nojento!
Com passos de soldado nazista vai em direção à porta e ,no seu limiar, para, volta-se, dirígi-lhe um olhar gelado e - cabeça erguida - fuzila o coitado.
-Pescador de araque!
A pesca era o seu esporte predileto, aliás, o único que ainda se atrevia a praticar, após se conscientizar de que aquela barriguinha- fruto de litros de chope e de comidas pesadas- não aconselhava nada mais radical.
E todos os sábados iamos encontrar o Ernesto arrumando sua tralha, para desencanto - ou desespero - de sua pobre mulher, que dava duro a semana inteira e sempre via frustrado o tão prometido passeio e o almoço fora.
"Lá vai ele de novo. Me deixa aqui sozinha, cheia de trabalho e vai se divertir, encher a cara de cerveja e ainda por cima trazer aqueles peixes fedorentos que eu ainda vou ter que limpar!"
Estremecia só em pensar na sua cozinha tão amada com um monte de escamas salpicadas pelas paredes, pia, geladeira e, durante uma semana, insistindo em aparecer nos lugares mais insólitos.
Pior é que o Ernesto lhe tinha dito que "dessa vez a coisa é grossa, porque a pescaria vai ser em Ponta Negra e vamos passar a noite inteira na praia".
Da janela, manda um recado ao Ernesto, que se preparava para entrar no carro;
- Ernesto, como você desta vez vai ter mais tempo, vê se limpa o peixe na praia mesmo e deixa minha cozinha em paz, tá?
Um meneio de cabeça e um aceno sinalizam que a mensagem foi recebida e o beijinho soprado ao final encerra o assunto.
O carro arranca e o Ernesto vai ao encontro dos amigos, que seguem em outro veículo até o ponto marcado e daí para a praia.
Chegam ao areal e aquele frenesi de costume se apossa deles, que saem à procura da "boca" onde a profundidade é maior, assim como a chance de achar o peixe.
Vão em fila, caminhando rente à linha dágua, quando o primeiro aponta para algo à sua frente.
- Ei, o que é aquilo?
Ao longe, vê-se um volume, vagamente cilíndrico, meio enterrado na areia.
Chegando perto percebem que é um saco de lona listrada, como o que os marinheiros usam quando vão à terra.
Entre medrosos e curiosos, demoram a decidir se o abrem "e se tiver um cara morto aí?" ou se o deixam ali mesmo e seguem em frente. Vence a curiosidade. O Ernesto, reunindo toda a coragem que lhe resta, saca da faca e - ligeiramente trêmulo - vai cortando a lona e percebe que, por dentro, ainda há outro saco de grosso plástico .
Felizmente o cheiro que exala nada tem de carniça e sim de perfume que de fato era.
Pelo menos três dúzias de frascos de perfume foram retirados e levados para local mais seguro, afastado da orla.
Provavelmente, algum contrabandista acuado pela Guarda Costeira tenha desovado o produto do seu "trabalho" , as correntes tenham levado o bagulho até à praia e o vai-vém das ondas acabou por partir diversos frascos, que, ao final, ensoparam o valente Ernesto.
Com a pescaria se mostrando péssima, o jeito foi fazer uma fogueira, cobrir o saco de perfume, colocar as varas "na espera" e dormir embalados pelo som do mar e pelo conteúdo de incontáveis latas de cerveja.
Acordaram com o som mais forte da maré enchente e, alvoroçados, perceberam que tudo tinha sido roubado: caixas de isopor "pô, ainda tinha um monte de latinhas", varas e, é claro, todos os frascos de perfume!
Ernesto chega em casa arrasado, enjoado com o cheiro daquela droga de perfume que não largava dele e esbarra logo com a Ademilde, sua mulher, que dispara a inevitável pergunta, - Cadê os peixes, Ernesto?
Amuado, ele lhe conta toda a estória, que ela ouve com as mãos fincadas na cintura e balançando ritmadamente a cabeça. como a dizer; sim, sim, sim...
- Acabou, Ernesto? Então você me chega em casa depois de uma noite inteira de "pesca" (e aí o tom já é de ironia) , sem peixe nenhum, sem material, com um bafo desgraçado de tigre e ainda por cima encharcado de perfume barato e quer mesmo que eu acredite nesse papo? Nunquinha, meu caro!
Arranca da sala, demora-se um pouco e retorna toda vestidinha e com uma maleta na mão.
Assustado, Ernesto levanta-se do sofá e,visivelmente apavorado, indaga aonde ela vai.
- Para a casa da mamãe, seu traidor nojento!
Com passos de soldado nazista vai em direção à porta e ,no seu limiar, para, volta-se, dirígi-lhe um olhar gelado e - cabeça erguida - fuzila o coitado.
-Pescador de araque!