Torturocracias

Não há nada pior do que lidar com o governo. Toda burocracia que envolve leis e política deixa as pessoas em uma área cinzenta, porque o que parece predominar é o aleatório. Sua vida é decidida pelo grau de má vontade que preenche a alma do funcionário público quando ele toca na sua papelada. Se dormiu de calça jeans, está com o intestino solto demais, se a sogra comprou a casa ao lado e o papagaio de estimação morreu, então, seu pedido será rejeitado, seus dados serão considerados insuficientes e você será preso por irregularidades sutis.

O exemplo clássico é a hora de tirar o visto. Ninguém se consola pensando que a lei deve ser igual para todos. O que existe é uma tensão geral em analisar a cara de cada um dos agentes da embaixada e torcer para cair na rede dos que estão de bom humor ou bocejando demais para achar um defeito terrorista em você.

O mais triste é que o pesadelo se repete no aeroporto: tem que encarar os funcionários da empresa aérea, da Polícia Federal e, quem sabe, da Imigração. Todos em postura de mini-devils, com mil regras a ser facilmente contornadas ao bel prazer de suas mentes criativas. É por isso que, do outro lado do balcão, os meros mortais sentem o estômago apertar e sofrem com o suor gelado típico de quem está brincando de Roleta Russa. Para cada candidato que sobrevive, é maior sua chance de... morrer na praia.

E a brincadeira fica ainda mais séria na hora de estender o visto. Três dias tremendo nas bases para responder o formulário sem elementos que pudessem ser usados contra mim. Mais cinco mil pesquisas na internet, consultas a gurus online e telefonemas para embaixadas, advogados e outros “turistas” só para descobrir minhas chances de ser rejeitada. Ouvi de “sins” concretos a “nãos” absolutos, com direito a muitos “talvez”, sugestões, histórias felizes, trágicas, e teorias de conspiração. Nem o onisciente Google tinha respostas plausíveis.

Entre TPMs e lapsos de otimismo, planejei minha vida para ao menos sete cenários alternativos. Até cogitei me refugiar na fronteira, mudar de nome, jogar na loteria – porque tudo é mais fácil quando se é rica. Durante 53 dias, o governo me torturou com suas burocracias de inglês complicado e instruções confusas. No fim, ganhei mais seis meses de estadia. Mas perdi cinco anos de nervos e saúde no coração.