OS DOIS LADOS DA BOLA
CARLOS SENA!
Fico pensando na bola. Na bola que a gente dá às pessoas que nos são importantes. Por que damos bola? Por que somos o país do futebol? Por que há tanta gente pisando na bola da política, na bola das relações, na bola dos amores? O mundo parece mesmo uma bola, enquanto eu nem dou bola para aquela bola que move meu país de norte a sul! Parece mesmo que a bola verde amarela toma conta desta nação, mas Nelson Rodrigues que me perdoe: que pátria é essa de chuteiras de que tanto falou, se emocionou, escreveu e zombou? Houve um tempo em que dizer que a pátria calçava chuteiras, era enaltecer o sentimento de amor ao país que nos serviu de berço. Pátria amada, idolatrada, salve, salve!
O país do futebol de hoje não é com certeza o meu país e disto Nelson Rodrigues deve concordar. Independente de tudo, a gente gostaria mesmo de estar dando bolas para o nosso futebol, especialmente para a nossa seleção. Contudo, hoje, parece que a questão da camisa – suar a camisa, por exemplo, passou a ser apenas um detalhe a mais. De fato, a garotada da nossa seleção até que sua a camisa, mas num gesto físico e fisiológico! Nesse caso, a nossa bola murchou literalmente! Cada pênalti perdido no jogo contra o Paraguai (copa América) parecia que simbolizava um chute dos nossos ídolos “de pano” em nossa consciência, em nossa capacidade de sermos inteligentes para perceber que eles não estavam com essa bola toda. Se tivessem acetariam alguns pênaltis. Perder pênaltis, para quem ainda não se antena em futebol é como engatar marcha errada em nosso carro – às vezes a gente faz errado, mas é muito difícil.
“Vai que é tua Tafarel”! Marcos levou frango. Pato se encostou a Ganso (poderia ter se encostado em gato, cobra, macaco, guaxinim). Mancos, pisaram na bola e Galvão deixou de ser Bueno tentando nos emprenhar pelos ouvidos. Vai que é tua torcedor brasileiro. A pátria de chuteiras há muito se foi embora envolta em dólares pelas Europas da vida. Seleção de fedelhos que pisam na bola, que desfilam nas vitrines da moda e que aparecem nos comerciais de TV – quem te viu que te vê? Dancinha pra lá, dancinha pra cá, como esses jogadores inventam modas após o gol! Franjinha no cabelo, cortezinho de pica-pau no cabelo, jogadores meio “MISS”: papai sempre junto fazendo o papel da mãe da miss! Miss Gura senão eu caio pisando na bola murcha da solidão dos sem chuteiras por pátria.
No jogo da bola não dou bola pro azar. No jogo do amor quero mesmo amar. Dou bola pro meu amor e faço gol. Pênaltis podemos até bater, mas com a boca em beijos mil. Varonil é meu Brasil, herói é quem vai pro SUS e sai com vida; herói é quem ganha salário mínimo e vive com dignidade; herói é quem é rico e dá emprego à “rafaméia” ao invés de investir na ciranda financeira. Herói sem eira nem beira. Nem beira a sabedoria dos escrotos de plantão que vestem fraque e cartola; nem beira o deslumbramento dos que chutam a bola por dólares; nem beira a dominação da mídia manipuladora; nem beira os palácios porque as palafitas são uma das suas identidades.
Enfim, sós. Eu, você e a bola. Bola cheia, claro, posto que das bolas murchas me esbarro. Nossos pênaltis, na vida, são sempre convertidos em gol. Gol do amor que temos; gol do respeito pelo próximo; gol pelo nosso patriotismo legítimo que ainda se ilude achando que nossa pátria é de chuteiras como no passado. Tem nada não. Apesar de Galvão e dos cartolas, existe Dona Zica por perto nos lembrando de que “as rosas não falam, simplesmente exalam o perfume que roubam de ti”...
Dou bola pra bola: pros seus dois lados, o de dentro e o de fora. Fico com o de dentro onde mora minhas convicções e meu amor verde e amarelo.