Manual de marginalidade – Livrem seus filhos dessa leitura!

Como é difícil trabalhar com Educação nos tempos atuais, onde uma total inversão de valores impera.

Um tempo onde o supérfluo torna-se essencial e o necessário nada mais que algo descartável.

Um tempo em que o “eu posso” tem muito mais valor do que “eu devo”.

Um tempo em que o educador é o último que fala, o primeiro que apanha e o único a levar a culpa.

Triste realidade!

A verdade é que criar filhos nunca foi algo assim tão fácil...

Ensiná-los a pensar é tarefa extremamente complexa! Fazê-los admitir os seus próprios erros significa ir além do que simplesmente “dar o exemplo”. É necessária a transferência genética de caráter. Não basta que os órgãos e o sangue sejam doados, o bem da verdade é que a dignidade e o caráter precisam ser compatíveis e os pais são os únicos responsáveis por esse transplante.

Chorar junto aos filhos é louvável, porém isso não contribui em nada para o crescimento deles.

Dia desses tomei conhecimento de um livro absurdamente irresponsável por meio de uma criança, de apenas 12 anos, que o “devorava” com entusiasmo durante o intervalo. O título me chamou a atenção e o riso exagerado do menino aumentou a minha curiosidade. Não poupei esforços para adentrar-me no assunto abordado. O garoto mostrou-me o exemplar com naturalidade dizendo ter lido mais de três vezes o mesmo conteúdo. Pedi para ver o livro. Quase entrei em choque. O autor Danilo Gentili, muito conhecido entre os jovens dessa geração, foi o responsável por me fazer repensar sobre a liberdade de expressão e imprensa. Um livro desses não poderia jamais ser editado, ainda mais destinado a um público infantil. Observei a contracapa. Foi catalogado como “Educação de crianças”.

Educação? Isso é mais que um insulto. Um verdadeiro abuso! Realmente preciso estudar mais sobre esse assunto. Ao folhear algumas páginas do livro (se é que aquilo pode ser considerado um), contive a vontade de perguntar qual foi o critério utilizado para um garoto de 12 anos escolher um exemplar daqueles para leitura. Achei melhor ficar na dúvida, pois se ele dissesse que ganhou dos pais, não aguentaria o “tranco”.

O nome da obra é sugestivo: “Como se tornar o pior aluno da escola – manual completo, ilustrado, revisado e não recomendado para estudantes”. Danilo Gentili

Só pelo fato da negativa “não recomendado para estudantes”, já incita a curiosidade da garotada. Os pais no início podem até achar engraçado, mas se analisarem o conteúdo do livro se assustarão com o grau de irresponsabilidade do autor, que se inicia desde o primeiro pensamento: “o pior aluno é um pirata que navega destemidamente pelos mares da chatice do oceano poluído chamado escola.”

As lições que seguem não param por aí. O autor trata de assuntos polêmicos com um grau de naturalidade revoltante, ou seja, ensina às crianças a prática detalhada de pequenos delitos, como: técnicas para colar na prova, entregar as avaliações em branco, sentir-se bem por tirarem nota baixa, copiar na íntegra um trabalho da internet sem o professor perceber, fazer o trabalho apenas um dia antes da prova, incentiva os “pequenos” a não estudar e nunca fazer o dever de casa, ensina estratégias para chegar atrasado à escola ou dormir na sala de aula, ou ainda, criar uma doença convincente para não participar das aulas, dicas para fazer bagunça na sala, visitar a diretoria e “aprontar” enquanto aguarda o coordenador, colocar apelidos nos colegas (incentivo ao bullying), jogar a culpa nos outros (apologia a desonestidade), provocar brigar (incentivo a violência), sugestões de pegadinhas com funcionários da escola, ensina como se espalhar uma fofoca e manter uma dieta não saudável, estratégias para não ler qualquer tipo de livro (inclusive a rasgá-los) e não zelar pelo próprio material escolar.

E os absurdos não param por aí. Depois de refletir sobre a medíocre frase “ a diferença entre um cão treinado e o melhor aluno da escola é que, se o segundo cheirar o traseiro dos coleguinhas, será suspenso.” Onde se diz, nas entrelinhas, que ser o melhor aluno da escola é para os fracos, o manual de idiotices continua a superar minhas expectativas. O autor incentiva os leitores a quebrar qualquer regra, como “sacanear” o cabeçalho das avaliações, preenchendo-os com piadinhas sem noção e “enrolar” nas respostas, driblando as perguntas dos docentes com mentiras, dá exemplos de “desculpas” para enganar os professores sobre tarefas não realizadas e dicas para simular doenças. O autor ainda ensina técnicas de incentivo à humilhação dos colegas, como: bilhete da discórdia, baixar as calças dentro da sala, uso negativo do celular em sala, incentivo a atos perigosos como jogar coquetel molotov no prof. de Ed. Física, suborno, etc.

Graças a Deus estava sentada quando li as sugestões para os alunos usarem quando “matarem a aula”, exemplos: pixar a casa diretor, barganhar cigarros por fichas de fliperama na cadeia... porque embora todo mundo se divirta mais na prisão do que na escola, afinal na prisão ninguém estuda, apenas joga futebol e toca pagode o dia todo, repare como a escola se assemelha a detenção.

Meu Deus, que país é esse? Que modelos são esses? Como um livro desse nível pode ser catalogado como “Educação de crianças” Literatura infanto juvenil? É muito para a cabeça de uma pessoa só...

O que fazer quando nós, educadores, tentamos a qualquer custo incentivar o manuseio de livros, visitas às bibliotecas e depois lemos uma frase esdrúxula dessas: “... os antepassados precisavam, antes da internet, ir num lugar horrível e fedido chamado biblioteca. Hoje a impressora revolucionou a vida do aluno vagal copia e cola tudo com um clique. Você junta os pedaços e é reconhecido como um gênio. A escola quer que sejamos bem-sucedidas. Uma pessoa bem sucedida é aquela que encontra felicidade. Como estudar traz tristeza, não devemos estudar nunca”.

No final dessa “obra”, e quando digo “obra” é no sentido mais adverso da palavra, ou seja, do verbo “obrar”, ainda nos deparamos com alguns planos (ou cacas) ilustrados para consultas, como: o que devo fazer para derrubar a porta do banheiro feminino na cabeça das meninas ou esparramar um recipiente com urina na cabeça de quem abrir a porta primeiro? Como colocar pimenta na água do bebedouro ou desrosquear os canos dos chuveiros causando uma pequena inundação? Como colocar um “coquetel” de cuspes no ventilador ou desparafusar o varão da cortina dentro da sala de aula? Como soltar todos os parafusos da descarga, sabotar a fechadura ou a mesa do professor? Como desprender o vaso sanitário ou ensinar a fabricação de bombas caseiras? Como provocar choques ou tombos homéricos nos colegas, etc.

Esse manual ainda inclui nos seus capítulos, planos para incriminar os outros inocentes, ou seja, o livro deveria ter sido catalogado como “DESEDUCAÇÃO INFANTIL – um guia prático para se tornar um marginal mirim”.

Eu quero, ou melhor, eu preciso acreditar que nenhum pai, por mais desinformado ou ocupado que seja, permitiria a compra de um exemplar desses para seu próprio filho.

Por isso é que eu sempre falo: “PAIS, abram os olhos! Procurem saber o que seus filhos estão lendo e os assuntos por quais eles se interessam, pois rir dos atalhos encontrados de forma irresponsável por eles ou mostrar-se indiferente frente as suas piores escolhas não faz de ninguém um amigo, e sim um comparsa!

Revestir os filhos com humildade e com caráter é muito mais difícil do que cobri-los com roupas de marca. O caráter se ensina, já os bens e as marcas se ganham, se compram, se roubam!

Enfim, nem é preciso ser guru para adivinhar qual será o fim de um “longa-metragem” dirigido de forma irresponsável, não é mesmo?

Filhos desestruturados socialmente e desequilibrados emocionalmente.

Filhos que pisarão sobre a sensibilidade das pessoas, julgando-se o maior e o melhor.

Filhos que interpretarão de uma forma particular e egoísta os obstáculos da vida, tentando resolvê-los “de cima” e não “de frente”.

Filhos que, por se acharem acima do bem e do mal, não conhecerão a fundo os benefícios do bem, tampouco as armadilhas do mal e, com isso, a dependência por coisas que sustentem sua visão distorcida da realidade será cada vez maior e mais intensa.

As consequências dessa educação deficiente, centrada em valores inversos poderá, com certeza, ser fotografada. A revelação é rápida, afinal, as fotos não mentem.

Imagem fora de foco e distorcida pela futilidade.

Olhos vermelhos de tanto chorar pelo tempo perdido, fato que não pode ser corrigido nem mesmo utilizando toda a tecnologia digital da atualidade.

Semblante sem brilho causado pela falta de limites, no tempo necessário.

Imagem sem contraste por não terem tido a oportunidade de conhecer os outros ângulos dessa vida.

Rosto sem riso. Alma sem luminosidade. Experiências em preto e branco.

Um filme revelado de forma irresponsável pelos pais terá uma revelação de alto custo cobrada da vida.

Certamente essas crianças e adolescentes, que há tão pouco tempo estavam sob a nossa responsabilidade, colocarão a culpa das suas frustrações nas mãos do fotógrafo, cuja firmeza nunca foi reconhecida. Afinal, aprenderam isso nos manuais expostos nas livrarias da vida. Culparão, quem sabe, as pedras colocadas injustamente no seu caminho... e por que não culpariam o “próprio caminho” que não obedeceu prontamente aos seus comandos hierárquicos e ilimitados?

Filhos que jamais compreenderão sua própria parcela de culpa em qualquer contexto.

Filhos que jamais assumirão que foram os seus próprios pés, os culpados por terem deixado de percorrer a trajetória digna da conquista; buscando atalhos contrários em direção aos seus passos.

E com relação a todo esse caos instalado sorrateiramente em nossa sociedade, que medidas a escola deveria tomar para amenizar as consequências certeiras e intransferíveis que culminarão sobre os nossos ombros?

Talvez, na ânsia de conter as inconsequências até o momento consentidas pela sociedade, o “militarismo” seria a melhor solução?

Quem sabe deveríamos investir no imediatismo? Na troca constante de professores, cuja culpa (diante dos olhos dos pais) é sempre das didáticas deficientes e das incompetências generalizadas.

Talvez a solução seria a demissão em massa de todos os profissionais que ousassem desautorizar as gestões dos pais dentro da escola, mais especificamente, no interior da sala de aula?

Pensando melhor, a reciclagem de coordenadores seria bem mais eficaz, já que ninguém sabe, ao certo, a verdadeira função desses profissionais atualmente. O melhor seria coordenar o básico, fingindo “colher” alguns resultados palpáveis ou evitar confrontos desnecessários seria o ideal? Estabelecer prioridades e impor limites ou ceder aos caprichos dos alunos, aceitando imposições sem cabimento dos pais?

Que vantagem levamos por lutar freneticamente pelos ideais de educação e ética nesse país, se acabamos morrendo, sem socorro, na praia?

Talvez, o melhor seria observar o circo... ops... a escola pegar fogo, incorporando o tal do “Laissez Faire” (deixe fazer) e registrando, de forma passiva, o resultado de toda essa bagunça.

E quanto aos pais superprotetores? Será que ainda nos resta alguma esperança? E nós, educadores, o que podemos fazer? Continuamos inertes, atestando a nossa real impossibilidade de virarmos a mesa ou vestimos a tal armadura da coragem para mudarmos as regras do jogo?

Inertes assalariados ou corajosos desempregados?

Se não somos nós quem damos as cartas, tampouco que tabulamos os resultados finais, talvez o melhor a fazer seja mesmo cruzarmos os dedos e realizarmos as nossas apostas!

É... realmente não adianta proibir os caça-níqueis e não tratar dos nossos jogadores, afinal, não é somente na política que os absurdos acontecem. Eles estão cada dia mais pertinho de nós...

Infelizmente ainda não somos capazes de contê-los porque, na verdade, esses valores são passados dentro de casa e não incorporados entre as paredes da escola!

O senso de responsabilidade, de moral, de justiça e de solidariedade são apenas “alimentados” dentro das salas de aula, porém, eles nascem, sem resquício de dúvidas, no seio da família.

O que infelizmente vem acontecendo é que o dinheiro já delega, há algum tempo, essa função de “alimentação” à ama seca da VIDA, sem levar em consideração que a conta será muito alta... e a VIDA, ao contrário das escolas, nunca perdoa!

Por isso “Dr. Danilo Gentili”, o gênio da irresponsabilidade, o autor consagrado das futilidades, o artista que enche o bolso de dinheiro, enchendo a cabeça dos nossos filhos de arbitrariedades, não se vanglorie por ter sido o pior aluno da escola. Isso é motivo de vergonha.

Não é necessário expor em molduras gloriosas o registro patético das inúmeras suspensões e expulsões acumuladas durante a sua infância. Colocando um pouco de vergonha nessa sua cara já seria “pra lá” de suficiente.

Tente vender todos esses planos irresponsáveis para os adultos que, conscientemente, venham a se interessar por eles, mas, por favor, deixe nossas crianças longe das suas imaturas frustrações, pois elas ainda não sabem a conseqüência que tamanhos absurdos como esses podem acarretar em suas vidas.

Se eu tivesse o poder de exonerar você da classe dos artistas, formadores de opiniões, com certeza o faria. Faria sem lágrimas nos olhos e sem riso nos lábios, haja vista que diante de uma obra tão inútil como essa, nada além do desprezo você mereceria. O lixo seria o melhor lugar para “aninhar” os exemplares desse seu estúpido trabalho.

Apesar de comediante, você está longe de ser uma piada.

Você é uma tragédia. Uma tragédia que deveria ser grega, mas que infelizmente é brasileira!

Gilmara Giavarina