POESIA. A VIDA E A MORTE.

Augusto dos Anjos, notável poeta lúgubre de altíssima criatividade, quis para si na última morada o que os desvãos da vida não permitiram.

A vida é assim, sopra outros destinos que não os almejados.Traçar caminhos que vamos caminhar é desiderato incerto e não sabido. Muito mais com projeção em depositar nosso final em lugar definido enquanto vivos estamos.

Engraçado, uns costuram afiadas linhas para esse desfecho, outros pouco se importam como será essa partida e qual o sacrário dos ossos no termo final.

Já caminhei ao lado de coveiro que levava, após exumação, restos mortais de ente querido, do local onde foi sepultado, para sítio próximo, de pé, andando. Uns poucos duzentos metros.

Levava o funcionário do cemitério, nas costas, em invólucro absolutamente simples, o mais simples possível, o que fora muito e agora nada era a não ser memória. A matéria se deslocava, pungente para meu sentimento, ia ali, na minha frente, a poucos passos, aquela vida representativa largamente, profundamente, só restava matéria, uma parte da vida.

É VERDADE, SEMPRE PERTENCEMOS À ETERNIDADE….SEMPRE; JÁ E SEMPRE.

Um foi que desfila sem dor, ia na minha frente, sem cor, sem brilho, sem alma, sem pensar, sem dizer, é como um nada que será sempre, ficará como ficou e é. Não era, é….

Estranha essa evidência, e contra ela só a compreensão alcança, mas surda e muda, coxa, ferida, maltratada, doída, maltrapilha de gestos, ausente de movimentos, um grito ao cosmos, sem ruído, uma lágrima seca, sufocada…era a minha querida pessoa que ali estava, carregada em ossos….uma eternidade em turbilhão….

Augusto dos Anjos almejou para seu derradeiro encontro com a natureza, que ficasse embaixo de uma tamarindeira abençoada, cultuada, na casa onde viveu, seria sua festa terminal em matéria.

O destino lançou-o longe e distante de sua querida tamarindeira, em Leopoldina morreu. Lá foi enterrado.

Produtores culturais souberam da história que ora passo e colheram sementes da tamarindeira e lançaram-nas junto ao jazigo do poeta. Floresceu no sonho do poeta sua vontade.

Com raízes lançadas aos céus as sementes atenderam a súplica do poeta, enorme e frondosa tamarindeira está a colocar sombras sobre a sua habitação escolhida; o pé da tamarindeira. E por uma obra do acaso, ela é vida de seus filhos-sementes, a mostrar ao formidável homem de letras, que não se morre para sempre, e que a natureza é abrigo eterno, é vida profusa e permanente, metamorfoseada, e é memória infinita, não passa…..já pertencemos à eternidade.

DEBAIXO DO TAMARINDO.

NO TEMPO DE MEU PAI, SOB ESTES GALHOS,

COMO UMA VELA FÚNEBRE DE CERA,

CHOREI BILHÕES DE VEZES COM A CANSEIRA

DE INEXORABILÍSSIMOS TRABALHOS.

HOJE, ESTA ÁRVORE, DE AMPLOS AGASALHOS,

GUARDA COMO UMA CAIXA DERRADEIRA,

O PASSADO DA FLORA BRESILEIRA

E A PALEONTOLOGIA DOS CARVALHOS!

QUANDO PARAREM TODOS OS RELÓGIOS

DE MINHA VIDA, E A VOZ DOS NECROLÓGIOS

GRITAR NOS NOTICIÁRIOS QUE MORRI,

VOLTANDO À PÁTRIA DA HOMOGENEIDADE, ABRAÇADA COM A PRÓPRIA ETERNIDADE

A MINHA SOMBRA HÁ DE FICAR AQUI!

Augusto dos Anjos.

Celso Panza
Enviado por Celso Panza em 19/07/2011
Reeditado em 16/11/2012
Código do texto: T3105451
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