Aos amantes do Landau
Desde pequeno, e como toda a criança, os automóveis exerceram um certo fascínio em minha vida (e ainda exercem). Meu primeiro contato com a graxa e a gasolina (que naquele tempo era pura) foi com a tenra idade de oito anos, quando meu pai, o velho "seu Fernando" e meu tio Santiago estacionavam seus carros na porta de nossa casa, na Rua Santo Antonio, no bucólico bairro do Bixiga.
Meu pai foi um "feliz" proprietário de um Fiat "Topolino" 500, apelidado sugestivamente de "maestro". Era um "conserto" a cada quilômetro rodado. Mas fomos felizes assim mesmo. Meu tio foi "chofer de praça" e conduzia um Chevrolet 1948 - Fleetmaster quatro portas, preto. Apesar do grande volume (a lataria era algo a toda prova, e não essas "latas de goiabadas" que vê por aí hoje), com um peso próximo da 1,5 tonelada, um bom motor de seis cilindros em linha, que despachava "humildes" 90 hp's e não passava dos 120 km/h, mas era de um conforto que só vendo.
O tempo foi passando e eu crescendo e, durante esse período, o meu aprendizado com as artes mecânicas iam se formando. Não sou um mecânico dos bons, mas não faço feio quando algum problema aparece.
Hoje em dia, e com o advento da eletrônica, muita coisa mudou nos motores mais modernos e mais evoluídos. Contudo, ainda prefiro o velho e bom (às vezes nem tão bom assim) carburador. Aquela peça que fica em cima do motor e serve para distribuir a gasolina para os cilindros. Meio complexa e repleta de pequenas peças (diafragmas, giclês, bóia, molinhas, uma aqui, outra ali, parafusos, juntas etc.). Dá até medo desmontar um carburador, mas depois que se pega o "jeito", é só não perder as minúsculas peças móveis e o resto irá bem.
Deixando a aula de mecânica à parte, voltemos ao que interessa, que é a minha consolidação como proprietário dessas belas máquinas.
Meu primeiro automóvel (efetivamente falando) foi um Dodge Charger RT 1976. Belo carro, com arrancadas enérgicas (motor de 215 hp's), porém, muito "beberrão". Fazia, a pulso, míseros 5 km/litro, mas era máquina de respeito. Era um carro que só os "cheios da grana" e os "ousados" (como eu) poderiam ter. Sua manutenção era muito cara e o emplacamento também (naquele tempo, emplacava-se pelos hp's que o motor tinha - quanto mais hp's, mais caro o emplacamento).
Desesperado com o alto consumo de combustível, somado com o alto valor da gasolina (coisas do Brasil), resolvi livrar-me desse "viciado" em altas octanas e parti para outro modelo (ainda maior), mas, pasmem vocês, mais econômico. Sim, a minha escolha agora recaía em um Galaxie Landau.
Apesar de maior em tamanho (o Charger tinha menos de cinco metros e o Landau cinco metros e meio), o carro da Ford do Brasil apresentou-se mais econômico (fazia "ótimos" 7 km/litro, desde que não se "afundasse o pé" no acelerador), o que tornava um excelente veículo, em comparação ao tamanho, peso e potência (199 cv). Além do que era muito, mas muito confortável e bastante silencioso. Era um verdadeiro carro do "tio". Mas, quem se importa?
Foi paixão à primeira, segunda, terceira vista. Já estou no meu quinto exemplar. Tá um pouco mamado, mas paciência. Ainda temos o velho problema de reposição de peças (nos Estados Unidos é muito fácil montar carros da década de 20/30/40, pois lá existem lojas especializadas), contudo, não desdenho dele. Ainda é o "automóvel" e, na minha modesta opinião, ainda é o carro de luxo nacional mais bem montado que o Brasil pode oferecer. Uma pena que sua produção acabou em 1983, quando 125 unidades foram fabricadas (a maior parte com motor a álcool). Foi carro de presidentes, artistas e celebridades (o Papa João Paulo II, quando aqui esteve pela primeira vez, utilizou-se de um modelo especialmente construído para a sua visita.
A história do Landau tem a sua maior projeção a partir de 1976, quando a Ford do Brasil apresenta o modelo (que basicamente era o mesmo do Galaxie 500, lançado em 1967), com reestilizações que apontavam para a modernidade (nova grade, posicionamento dos faróis, novas lanternas traseiras, parachoque dianteiro mais encorpado, novo sistema de ar condicionado, decoração mais sóbria (agora se usava a camurça no lugar do jacard nos estofamentos). Quanto ao restante, tudo continuou o mesmo, como o painel de instrumentos, imutável, desde o primeiro modelo Galaxie. Seu motor sofreu três alterações até chegar ao moderno 302, que, inclusive, equipou os Mustang's norteamericanos, a partir da década de 70 (os primeiros tinham o motor 279 - aqui, apelidados de "roquetes", iguais aos 272 e 296 dos nossos Galaxies).
Quem teve a imensurável satisfação de assentar-se em um dos seus confortabilíssimos "sofás", ou o inenarrável prazer de dirigir um Galaxie, LTD ou Landau, sabe perfeitamente do que é que eu estou falando. Eu tive, tenho e pretendo continuar tendo esse prazer. Claro que cada automóvel tem o seu predicado em um contexto de comparação geral, mas eu ainda fico com o Landau, apesar de seu alto consumo de combustível (o carro ideal, hoje em dia, é aquele que faça acima dos 15 km/litro - os populares).
Hoje, esse exemplar de glamour, poder e sofisticação não é tão facilmente encontrado "a preço de banana" (mesmo porque, banana também não está barata). Quem tem uma maravilha dessas não se desfaz com muita facilidade e pede muito alto para um veículo já fora de linha, com dificuldade de peças de reposição (aqui na Bahia é um inferno encontrar peças), tendo que apelar para os "ferro-velhos" ou alguma loja especializada no eixo SP/RS, com preços contra indicados aos hipertensos.
Paixão à parte, espero que esse meu "fanatismo" não seja tomado como um insulto aos apreciadores de outras marcas. Mesmo porque, gostos não são discutíveis e cada um se apaixona por aquilo que é de seu bem. Aqui na Bahia temos algumas frases de efeito que vêm a calhar com esse episódio:
"Pra quem gosta, o feio bonito lhe parece"
"Pra quem ama, até catinga vira cheiro"
"De tudo aquilo de que se gosta, vira bem de Maroca.
Não se dá, não se vende e nem se troca"
Deixo aqui o meu abraço fraternal a todos os amantes do automobilismo, em suas mais diversas predileções, esperando que os amantes das "banheiras", assim como eu, extravasem suas emoções, aflorando suas paixões, "posto, que seja eterna, enquanto dure".