Sentidos de Mim Mesmo
Hoje não sou nada. Quis ser escritor, mas por absoluta falta de talento me tornei um mero leitor. Fui no máximo um escrevinhador e rabisquei minha vida. Ela passou e fluiu como um rio. Minha vida foi se indo e nunca gostei de esteriótipos, de caixas, de rótulos, de taxas. Fui contraditório e contradizente. Odiava enquadrar as pessoas. Fugia de paradigmas como quem foge da cruz. Enfim, não hierarquizava ninguém, não dava preço ou valor. Nem patamares eu tinha. Éramos gente, todos, e isto me bastava.
Nos dias atuais, é uma imposição ser algo. Precisamos ocupar espaço no mundo, demarcar lugar. Este mundo carece nos pertencer, nem que precisemos comprá-lo. O mundo é um trocado. Necessitamos ao menos (a)parecer. E ninguém rouba essa nossa aquisição. Somos os lunáticos donos do mundo. Sentamos em trono absoluto, banhado a ouro abstrato. Um trono que cheira a esterco, de tão podre que é.
Devo confessar: algumas situações andam me incomodando mais que antes. Estou sentindo mais dor, mais apreço. É uma dor cortante, uma dor interna, erradicada pelos meus vasos sanguíneos. É uma dor sem endereço, pode ser até que doa a alma. O fato é que estou farto de injustiça. Estou farto de doenças. Farto de sofrimento. Não consigo ser comum a quem dorme na rua, a quem sofre em hospitais, a quem sente dor, ou fome. Sinto compaixão como a um filho. Ando sofrendo mazelas alheias e isso tem me enfadando muito. Dói também minha impotência, quiçá meu ato negligenciador, ao passo que pouco ou nada faço. Não culpabilizo ninguém nem nada. A culpa se for é minha. Estes entes nos pertencem. Entretanto, antigamente, essas dores não me eram, mas elas tem me tomado. Também situações antes dignas de gravidade não me assolam mais. Passam ao léu, despercebidas. São mínimas. Vou vivendo assim, sem muito mais.