MITOS FOLCLÓRICOS E ASSOMBRAÇÕES
(Projeto Minhas Histórias)
Quem nunca ouviu falar sobre “coisas estranhas” que acontecem em alguns lugares? São “causos” fantásticos, “lendas urbanas” contadas por nossos antepassados, que nos deixam arrepiados.
Em minha Macondo, que doravante chamarei Ventura, não era diferente. Muitas vezes perdi o sono ao ouvir cantos de pássaros que me intrigavam. A viuvinha, que passava as noites lamentando a perda do marido:- “meu amado foi, foi, foi e não voltou.” O pica-pau, batendo na madeira, a coruja rasga-mortalha, que segundo a lenda, quando passava sobre uma casa anunciava a morte de alguém, piados que me diziam ser de cobras perigosas que podiam estar por perto e uma infinidade de sons noturnos me tiravam o sono, mas nada era comparado ao pavor que eu sentia quando, na madrugada, nos batiam à porta, para comprar aviamentos para funeral. Como a nossa era a única casa comercial nas proximidades, na hora que o “suplicante partia” os familiares começavam a providenciar a urna funerária, popularmente chamada de “caixão de defunto”. Papai acordava e solícito, os atendia. O forro externo variava de acordo com o sexo e idade do viajante. Para homens era preto e os adereços eram mais simples. Para as mulheres “não virgens”, o roxo era ideal e o branco se reservava às crianças e às virgens. Enquanto isso, o serrote e o martelo do marceneiro oficial anunciavam o “passamento” de algum morador das redondezas. O tecido “lumière” era o preferido para as “mortalhas” que eram democraticamente usadas por todos. Mas ainda havia uma coisa pior: acordar na madrugada com vozes e passos apressados de homens que conduziam “mortos” enrolados em redes, ao cemitério local. Vinham de muito longe, me disse papai. Certa vez, achei de esgueirar- me numa brechinha da janela para vê-los. Pensem na cena: Uma tenebrosa noite de inverno. Em meio à escuridão total surgiam tochas* que iluminavam o caminho para um cortejo, no mínimo, bizarro. Homens enlameados correndo, falando muito alto, conduzindo um corpo sem vida, enrolado como um charuto, pendurado a uma vara firme onde de dois em dois se revezavam para descansar os ombros.
Curiosidade cara! Fiquei apavorada por um bom tempo, mas o que me intrigava mesmo era o horário. Na minha fantasia, aquilo devia ser um ritual de magia negra. Mais tarde pude constatar esse costume lendo
Morte e Vida Severina, onde João Cabral de Melo Neto, soberbamente o descreve.
E assim eram as altas horas em Ventura, mas não pensem que acabou, voltarei para contar mais “causos” extraordinários. Aguardem!
Fátima Almeida
18/07/11
Imagem Google - do Livro MORTE E VIDA SEVERINA.
NOTA:
* Tocha - Pedaço de bambu, trabalhado no seu interior para
servir de depósito para combustível (querosene) e com pavio
de tecido, usado para iluminar.
(Projeto Minhas Histórias)
Quem nunca ouviu falar sobre “coisas estranhas” que acontecem em alguns lugares? São “causos” fantásticos, “lendas urbanas” contadas por nossos antepassados, que nos deixam arrepiados.
Em minha Macondo, que doravante chamarei Ventura, não era diferente. Muitas vezes perdi o sono ao ouvir cantos de pássaros que me intrigavam. A viuvinha, que passava as noites lamentando a perda do marido:- “meu amado foi, foi, foi e não voltou.” O pica-pau, batendo na madeira, a coruja rasga-mortalha, que segundo a lenda, quando passava sobre uma casa anunciava a morte de alguém, piados que me diziam ser de cobras perigosas que podiam estar por perto e uma infinidade de sons noturnos me tiravam o sono, mas nada era comparado ao pavor que eu sentia quando, na madrugada, nos batiam à porta, para comprar aviamentos para funeral. Como a nossa era a única casa comercial nas proximidades, na hora que o “suplicante partia” os familiares começavam a providenciar a urna funerária, popularmente chamada de “caixão de defunto”. Papai acordava e solícito, os atendia. O forro externo variava de acordo com o sexo e idade do viajante. Para homens era preto e os adereços eram mais simples. Para as mulheres “não virgens”, o roxo era ideal e o branco se reservava às crianças e às virgens. Enquanto isso, o serrote e o martelo do marceneiro oficial anunciavam o “passamento” de algum morador das redondezas. O tecido “lumière” era o preferido para as “mortalhas” que eram democraticamente usadas por todos. Mas ainda havia uma coisa pior: acordar na madrugada com vozes e passos apressados de homens que conduziam “mortos” enrolados em redes, ao cemitério local. Vinham de muito longe, me disse papai. Certa vez, achei de esgueirar- me numa brechinha da janela para vê-los. Pensem na cena: Uma tenebrosa noite de inverno. Em meio à escuridão total surgiam tochas* que iluminavam o caminho para um cortejo, no mínimo, bizarro. Homens enlameados correndo, falando muito alto, conduzindo um corpo sem vida, enrolado como um charuto, pendurado a uma vara firme onde de dois em dois se revezavam para descansar os ombros.
Curiosidade cara! Fiquei apavorada por um bom tempo, mas o que me intrigava mesmo era o horário. Na minha fantasia, aquilo devia ser um ritual de magia negra. Mais tarde pude constatar esse costume lendo
Morte e Vida Severina, onde João Cabral de Melo Neto, soberbamente o descreve.
E assim eram as altas horas em Ventura, mas não pensem que acabou, voltarei para contar mais “causos” extraordinários. Aguardem!
Fátima Almeida
18/07/11
Imagem Google - do Livro MORTE E VIDA SEVERINA.
NOTA:
* Tocha - Pedaço de bambu, trabalhado no seu interior para
servir de depósito para combustível (querosene) e com pavio
de tecido, usado para iluminar.