Zé Ferreira e seus cáus de pescaria...
Itamaury Teles (*)
- Mas, moço...Eu num gosto nem de contá meus cáus de pescaria. Isturdia mês os minino aí viero cum aquela zuera, aquela latumia cumigo, me chamano de potoquêro, só purcausquieu contei o acunticido mais eu e Véi Macilino. Véi Macilino, meu amigo aqui do Rebentão dos Ferro, tem uns parente lá ni Porterinha, perto do rio Serra Branca, onde tem uma cachuerona qui num tem nada igual...Acho que ês chama ela de Serrado. Mas é água, moço! E lugá danado di bunito...A serra é branquinha qui parece qui tá tudo cuberto cum farinha de Morro Alto...Isso de manhã, purquê di tarde, quando o sol bate nela ela vai mudano de cor. Aí fica pariceno qui tá cuberto de farinha de Morro Alto. Só qui torrada. Uma beleza...Pois foi nessa roça duns primo do Véi Macilino qui nós ficô, numa época de foguêra. Terrinha pôca. Lá é tudo assim. Tudo piquininim. Tudo rudiado de parente. O pai morre, dez fi, todo mundo qué seu pedacim de terra e num arreda de lá. É um paraís...Pranta fejão gurutuba, andu, coco, mandioca - pra cumê e fazê farinha, impasta um pôco - pra tê cumida pruma vaquinha, fazê uns quêjo, requejão. E vão rompeno...Vidinha tranquila, com o rio Serra Branca passano no fundo do terreno. Agora eu já vi rio de água fria, mas igual o Serra Branca, tá pra existi. No mês de junho, quem é o home pra entrá dento d’água!? Até os pêxe fica zonzo e vem pro raso pra mode isquentá um pôco. Aí ês lá diz qui pega pêxe até cum a mão...E o vento qui vem da serra? Chega assuvia... Igual ni Francis Sá, Brejo das Alma. Só que é vento gelado. Crima de bêra de serra mesmo... Mas aí nós levamo as tráia tudo pra mode pescá. E o lugá lá chama Erva Doce, onde tem um lajedão no mêi do rio. E foi ali qui nós arranchô, cum garrafa de pinga, a maumita de cumida, isca de tudo quanté tipo e anzol de vários tamãin...Mooooço, mas quano eu lancei o anzol n’água eu pircibi qui o negóço lá era bão! Foi um pêxe atrás do ôto. Até qui duma hora pra ôta, parô di biliscá. Parô de biliscá e eu fiquei mêi sem assunto, oiano pros lado, cum a vara na mão. Fiquei no lajedo assim mais de mea hora, pitei dois pito, até qui senti uns bilisco. Bilisco e puxô. Aí eu travei. Travei e fui puxano, puxano, e a vara invergano, invergano. Aí eu pensei: esse é dos grande, esse tá no papo. Aí Véi Marcilino falô: - Fica firme aí, Zé Ferreira. Fica tranquilo. Esse é grande, mas tem qui dexá ele cansá. Num puxa não qui ele vai imbora. Véi Macilino é home de muita isperiênça. É sabido. E assim eu fiz, fiquei quéto, isperano o pêxe cansá. Isperano ele cansá até foi iscureceno. Quano iscureceu, eu pensei qui ele já tava cansado e dei um puxão. Aí, só vêi o anzol. Fiquei chatiado dimais, moço. Véi Macilino, qui tava cum mulinete, na mesma hora jogou o anzol dele lá, no rumo qui o pêxe tava puxano. E ficô ali naquela sensão, quetim, isperano o pêxe bocanhar a isca de mandioca qui ele colocô num anzol grande. Isperô, isperô e nada... Aí, cansado, ele resolveu apriciá a beleza qui era o céu chei de istrela numa noite de treva. Numa noite de lua nova. Pra mió observá, ele deitô no lajedo e deixô a vara iscorada num preda. Quano tava ali naquels pensamento, quais drumino, eu dei um grito pra mode acordá o Véi Macilino. O pêxe tinha mordido isca e anzol junto e tava carregano a vara cum tudo, rio acima: - Óia sua vara subino o rio, Macilino!!! Mas ele tava ainda mêi zonzo e eu num tive dúvida. Sartei dendágua cum bota, rôpa e diabaquato. Sartei, nadei rápido e garrei a vara e distravei o mulinete. Dei linha, pra mode froxá a minha volta pro lajedo. Voltei pro lajedo e assumi o comando da vara. E fui recoieno a linha. Recoieno e o pêxe puxando, quais quebrano a vara. Mas eu cum mulinete daquel num tinha pra pêxe ninhum. Já tirei até caboclo dágua no Rio Pandêro, cum mais treis cumpanhero, qualé o pexim de Porterinha que ia me dominá! Quem é ele? E eu era novo e forte naquela época. E fui recoieno a linha, até que brotô o bichão fora dágua. Quando Véi Macilino bateu a lanterna pra ver, quas caí de costa. Era um tatu...Um tatu peba, dos grande. Num tem isplicação, mas que pesquei, pesquei. Inclusivamente, tem um moço lá qui dizqui já pegô treis. Dizqui num conta pra ninguém pra num falá qui ele é mentiroso. Mas no meu cáus, acho qui foi o Véi Macilino qui pôs força dimais no mulinete, e o anzol e a isca foi pará na banda de lá do rio, justo na tria do tatu, qui gosta muito de mandioca. Só pode sê...
(*) Escritor e jornalista
E-mail: itamaury@hotmail.com