Fernanda, ou Rascunho
Fernanda costumava estar a parte do mundo. Vivia num local entre o sonho, e a realidade. Desde cedo fora assim, se mantinha segura de maiores problemas trancando-se em suas fantasias. Em seu mundo, criado do jeito que queria, era uma princesa, e todas as criaturas do seu reino a adoravam, pois era a mais doce da família real.
Soa infantil essa fantasia, e de fato era, pois vinha de sua infância, quando ela percebeu que se não tomasse cuidado e não se protegesse de alguma maneira, o mundo a destruiria. Era infantil, mas era tão bela e tão sua, que ela não se preocupava em sonhar diferente.
Não ache que Fernanda tinha uma vida triste, ou problemas com os quais não seria capaz de lidar. Tinha bons pais, tinha seus amigos, se divertia, mas ainda não era completa. Aos 17 anos, ainda não havia encontrado, ou passado por aquilo que nos faz sair da infância e nos tornarmos adultos de verdade. Procurava então em seu mundo sonhado, seja lá o que fosse, aquilo que a tornaria mulher enfim.
Certo dia na escola, notou um certo menino. Era lindo, tinha aquele olhar que faz tremer e aquele sorriso que faz voarem os pássaros. Ele deu bola. Ela acreditou por um momento que, encontrando seu príncipe, estaria finalmente completa.
Ele era sim seu príncipe, e foi durante toda a vida, mas Fernanda nunca se sentiu completa por isso.
Aquela frustração de se sentir incompleta, continuava. Procurava em todo lugar, em todas as situações, em todos os livros, poemas e novelas, mas nunca encontrava o que lhe faltava. O que lhe faltava? Não sabia, mas continuava procurando.
Com o tempo a frustração crescia, e a procura se tornava cansativa. 18 anos, 19 anos, 23 anos, veio o casamento, veio a vida, e o hábito de sonhar demais não se perdia, e a frustração crescia.
Fez 24, fez 27, a procurava continuava, e veio o primeiro filho. 28 anos e veio o segundo. 29 e o terceiro e último chegou. Cansou da procura, cansou de sonhar, e passou a se preocupar só com a vida real, a que vivia e a fazia sentir na pele as dores e descasos mundanos. A partir do momento que decidiu não mais sonhar, nunca mais conseguiu voltar ao seu mundo. A frustração se foi, mas o lugar foi ocupado, e quem tomou o posto foi a saudade, que vinha mais intensa e mais avassaladora. Não tinha mais motivos para se frustrar, mas também não tinha mais motivos para seguir em frente. Perdeu o rumo e não era mais capaz de traçar um caminho a seguir. Jamais voltou a sorrir um sorriso sincero, e sentir a satisfação de realizar um plano. Futuro agora era só o que vinha, e vinha não para ficar, mas para passar e se tornar passado, sem lembranças memoráveis. Nunca mais voltou ao seu mundo. Nunca mais voltou a sorrir.
Existe um motivo para sonharmos. São eles -os sonhos- que nos movem e nos dão base para podermos nos imaginar seguindo em frente, e vivendo. E por mais infantis e ridículos que sejam, são algo totalmente nossos, e que ninguém além de nós mesmos poderia violar. Sem eles todo caminho percorrido é só existência, e não viver. Perder um sonho é perder um pedaço da alma. Perder todos os sonhos, é a morte precoce da alma.