A Rosa

Era apático a tudo. Não sabia lidar com amor demais, não sabia lidar com raiva demais, na realidade não queria lidar com nada disso. Fugia de tudo que lhe causava espanto. Fugia como o diabo foge da cruz. Talvez realmente fosse a sua cruz, o medo.

Talvez não fosse medo, fosse apenas cômodo esse não sentir. Acomodava-se então em sua apatia e sentia que ignorando tudo, ficava seguro. Não acreditava ter medos, não sentia essas dores de amor. Era confortável o não sentir. Segurança essa que valorizava e até chamava de viver.

Diziam: "isso não é viver, estagnação é triste". Não era triste. A ideia de felicidade deles é que era deturpada. Não iria se contentar em viver uma felicidade repicada de tristeza. Não queria tristeza. E por mais que não entendessem, protegendo-se da tristeza era feliz. Infinitamente feliz -dizia para si mesmo-.

A sua felicidade era mágica, intocada e plena. Era natural, e por não haverem causas, a felicidade nunca era corrompida. Apenas existia.

O contentamento que o tomava por encontrar felicidade onde outros não encontrariam nada -além de depressão, pílulas, e veias cortadas- era seu grande triunfo.

Olhava para o céu e pensava: "Sou feliz!". Olhava para a grama verde recém cortada com seu cheiro leve e pensava: "Sou feliz!". Olhava-se no espelho, desviava o olhar, e pensava: "Sou feliz! Sou feliz!!". Era abraçado, correspondia acanhado, se virava -como em fuga- e pensava "Sou feliz!!!".

Quando pensava sobre a felicidade, sempre acabava por concluir: 'Sou feliz por ser feliz'. Não ousava ir além. Não queria saber de onde tudo vinha, e pensar muito poderia acabar no seu fim -fim da felicidade-. E ele não saberia lidar com esse fim.

Seguia feliz, infinitamente, felizmente e inviolavelmente feliz.

Já havia ouvido que tudo na vida tem fim, mas não acreditava que fosse ter. Não era odisséia, não era romance, não era tortura, não era como tudo é. Era simplesmente algo que exisitia. E acreditava com fé que o que tinha era interminável.

Certo dia, certa hora, em um dos intermináveis momentos de satisfação em que vivia, topou com uma rosa. Digo topou porque assim foi. Violento, inesperado, assustador. Uma rosa. Rubra quente e vulgar.

Deixe-me explicar, para que não fiquem pontas soltas, ou espinhos soltos. Não era qualquer dessas rosas com as quais os amantes se presenteiam. Era, sem dúvida, uma rosa especial; mas a sua singularidade não era notada em sua tonalidade mais forte, ou pelo seu caule mais verde, nem pelo bulbo mais farto. Mas era pela fascinação que nele causava. Era levemente caída, tinha espinhos e claro, muitas pétalas. Mas nada disso era especial por si só. Notara nela algo de especial, algo como energia. Queria tê-la. Queria guardá-la para todo o sempre, e ter certeza que sempre a teria em sua feliz existência. Meio que desajeitada, meio que boba, linda.

O seu susto, foi sentir que a sua felicidade era tocada em seu âmago. Sentiu que aquela redoma guardando a orbe que exalava alegria era rachada. Então fugiu. Correu da rosa, assim como correria o diabo. Corria, e a cada largo passo, percebia o altar de alegria em seu interior cedendo. Não parou de correr. Ele reconstruiria. Era apenas uma rosa. Toparia com muitas rosas, não havia porque se deixar destruir por apenas uma, afinal o que tinha ela de especial? Continuava correndo. Um filete de suor descia pela testa e se encontrava com a lágrima que vinha do olho. Chorava? Não. Jamais chorara. Era muito feliz, e nem de felicidade chorava. Apatia. Tinha que esquecer a rosa. Jamais a teria e ela deveria ficar para trás, perdida em um trecho de sua felicidade, de sua vida.

Já não se aguentava. Seus pés doiam, sua cabeça doía. Mas algo mais pulsava. Algo nele acordava e tremia, fazendo um surdo estrago do lado de dentro. Sentia algo bater, algo que esteve sempre adormecido. E isso tudo pela rosa.

Então Parou. Queria escutar as batidas. Foi essa a sua desgraça. Assim que parou e ouviu o bater, a orbe explodiu. Voaram estilhaços machucando, dilacerando, destruindo e lentamente, ele sentia aquela falsa felicidade se esvair, e escorrer pelo seu eu. Ficava apenas o vazio. O vazio e a rosa.