Desafiando Meu Medo – Flamenco
Por que é tão importante ter a aprovação dos outros? Por que estes olhares me apavoram tanto? Por que tentar decifrar estes sorrisos que parecem me devorar? Por quê?
Essa é uma péssima hora para estas perguntas, mas elas não me deixam em paz, ecoam na minha mente, judiam do meu coração que bate num pulsar descontrolado. Permaneço imóvel segurando com mãos trêmulas as pontas da minha negra e longa saia, tenciono fazer dela meu escudo, já que meus cabelos estão presos por um coque. Estou bem a frente no tablado, em segundos vai iniciar a sevilhana, meus ouvidos me traem, fazem-me surda, meu pavor aumenta, aqueles olhos fixos em mim parecem punhais cravados no meu peito.
Estamos abrindo o festival de inverno de São Gonçalo do Bação, com o Grupo Experimental de Flamenco, minha posição na primeira fila, aceita com orgulho e conquistada com dedicação, agora me coloca em desvantagem, estou absurdamente apavorada.
Dançar flamenco é como uma tourada, a saia é a capa que chama o touro ao desafio, e com um firme taconeo grita olé! Expressão que vem do árabe “Wa-llah!” e significa: Por Deus!
Inicio a dança de forma automática, as perguntas insistem em me atormentar: Será que estão percebendo a minha aflição? Por que aquele homem sorri? Qual a sua intenção?
No meu íntimo há uma batalha de titãs sendo travada entre o prazer de dançar e o medo de me expor. Não me atrevo a tomar partido neste duelo, acovardo-me, que pulha me sinto!
Os segundos vão passando lentamente, os passos da sevilhana se entrelaçam. Não consigo desafiar o touro, não encontro meu “olé!”, onde está você, meu Deus, que me abandonou.
Mal consigo respirar, percebo minhas mãos fazendo desenhos no ar, minha saia balançando, meus sapatos de dança vão me levando na coreografia que sei de cor e tanto amo.
O som dos aplausos é o milagre que me liberta da surdez, nem sei como, mas chegamos ao fim da primeira apresentação.
A trégua concedida ao meu coração durou pouco, estou novamente posicionada no tablado, a taquicardia volta a me atacar. A rumba começa, meu corpo dispara a dançar, movimento sensual mexendo os quadris devagar sem frenesi, ritmo mais fácil de uma brasileira assimilar.
Encaro o público, sapateio com firmeza, arrisco alguns gracejos. Mesmo sem respostas para abrandar o meu medo, eu o desafio!
Seguro a saia em posição de combate, golpeio firme com os pés, rodopio decidida e finalizo com uma mão na cintura e outra erguida em direção ao céu, nenhuma palavra sai da minha boca, mas meu corpo vibra. Olé!
Homenagem a minha querida professora de dança flamenca Ana Liz Bastos.