Diário de um Caçador

-36ª Semana enjaulado – ÚLTIMO DIA!

Eu não sei mais em que dia estou. O mês. Talvez o ano. Não importa.

Sei que é noite. Aqui dentro dessa jaula é ainda mais frio. O cretino que me prendeu dorme tranquilamente. Ninguém pode me ver debaixo desse pano, mas eu posso ver a todos.

A última vez que ele me soltou? Eu não lembro. É incrível como consigo estragar, no entanto, esses motivos de liberdade.

Ele vem girando aquela maldita chave de platina (Platina enferrujada, não me pergunte como). Então ele abre, com aquele sorriso demoníaco. Eu corro o quanto posso. Procuro ajuda. Alguém para soltar as amarras em minhas mãos. Alguém que consiga.

Então, no final do dia, toca o sino. E ele vem.

Vem sem ser impedido por ninguém. Gostam mais dele do que a mim. Com sua espingarda que quase nunca atira, aquele chapéu, e aquela máscara.

A maldita máscara que faz com que todos o amem!

Um sorriso estampado de fora a fora.

E tem essa moça... Incrível, linda, adorável. Às vezes ela pergunta ao Caçador (como chamo ele) o que há debaixo dos panos. Ela não gosta muito dele. Sempre duvida de tudo o que ele diz.

O que houve com todos?

Não ouço mais meu nome. Nem pessoas procurando. Todos esqueceram e agora idolatram o Caçador.

Essa máscara começa a me dar nos nervos.

Eu posso ser como ela! Mas não o tempo todo, é claro! Ninguém pode! Não enxergam?

Já tentei contar a estória para a jovem senhorita. Às vezes ela acredita. Às vezes não.

Não posso fazer nada.

Há uma outra, porém. Doce, livre e também linda, do seu jeito. Perfeita, arriscaria dizer. Mas ela não me vê. Certa vez roubei uma das máscaras enquanto corria do Caçador. Ela então me viu. E conseguimos ficar juntos até a noite.

Essa noite vai ser diferente.

Eu vou sair.

Eu não serei caçado.

Há mais alguém comigo na jaula. Um velho amigo que é assim como eu.

Creio que somos os únicos aqui nesse acampamento. Mas certas noites penso ouvir um ou dois gritos diferentes.

Pessoas que não agüentam tanto.

E como esse maldito ronca alto!

Estou com muito sono. Mas não posso dormir. Não ainda. Não hoje.

E desta vez... Ah! Desta vez! Eu vou fazer direito!

Não irei procurar por ajuda!

Vou dar o melhor de mim para as pessoas que merecem o melhor de mim!

Eu quero aparentar feliz pelo menos uma vez. Aparentar alguém que possa amar Alguém que não seja desesperado e cheio de mágoas o tempo todo.

É isso! Chega!

Jamais poderão ver isso novamente.

Eu serei forte e quebrarei as barras!

Aqui vamos nós...

-36ª Semana – LIBERDADE

Ainda não acredito no que vi...

Não sei se poderei escrever sobre algo no qual não acredito...

Posso tentar.

As barras foram quebradas, como eu havia dito que faria.

Sucesso? Só esperança inútil...

Consegui pegar um canivete próximo dele que dormia assustadoramente calmo. Antes de pegar sua máscara, olhei ao redor. Uma enorme sensação de compaixão me atacou. Centenas eram os enjaulados. Mas o pano por cima de suas jaulas era muito espesso. Não sabia sequer onde estavam.

Depois de ver aquilo, ganhei ainda mais coragem.

Retirei num rápido ato sua máscara, mas antes de que a faca pudesse tocar seu rosto...

Me deparei...

Seu rosto...

Ele não era ninguém... Além de mim.

Cheio de cortes na face e com uma expressão de alívio, ele me dizia: “Obrigado.”

E então correu. Correu como eu nunca havia visto alguém correr.

A máscara aos poucos foi se acomodando em meu rosto.

Suave eram as amarras nos primeiros momentos.

Mas...

Só nos primeiros momentos.