ESTAÇÕES MÍTICAS
Um rosto quase infantil perdido no espelho. Vivências que não se encontram na superfície. Fechei os olhos e me despedi no breu de um pensamento desbotado. Agarrei-me ao silêncio para fortalecer meus galhos e lancei ao vento as palavras amadurecidas. Folhas secas que se perdem num chão de outono.
Quando abri os olhos, um prato vazio sustentava a mesa, a alegria das refeições estava maculada na louça suja, a sensualidade ressecada na tinta mancha do vinho derramado na toalha de linho. Não havia música ou perfume, sarmentos ou frutos... Deixei-me guiar pela sombra e encontrei um beijo perdido, uma intenção que não se realizou...
A rolha seca e a cor acastanhada são vestígios do vinho que avinagrou com a iluminação e o calor excessivo, da vindima destinada ao esquecimento, dos estalos melancólicos dos tonéis de carvalho solitários...
Abandonei as crenças. O amor partiu num passo em falso e já não preenchia meus sentimentos. Com asas falsas busquei o sol e encontrei as brumas de um horizonte desconhecido. Sem cobranças, interiorizei a culpa, aceitei os prenúncios de estações e permaneci acovardada em minha nudez. Quase retorcida, sobrevivi ao frio das noites sombreadas aramada na faixa de vida sem definir a escuridão de um céu privado de estrelas.
Congelei encasulada com algumas sensações. Perdi a memória. As raízes cresceram no solo obscuro do sonho, alimentando as estações vindouras.
Um tímido choro me libertou do inverno. Despertei com a lágrima que concebeu o primeiro botão da primavera.