Janjão
 
            Andava com os olhos fixos no nada, se isto é possível.
            Moletom meio ultrapassado, tênis comum. Estava frio. Aquela manhã despertara com um vento cortante, uma temperatura que não costuma fazer no local, baixa, bastante baixa.
            Janjão não se deu conta disto. Mãos no bolso do casaco atravessou a rua e entrou num boteco vadio como ele. Estavam os dois em franco declínio.
            - Conhaque, café e um avulso.
            Vieram os três. Avulso é o cigarro quando é comprado por unidade, e não o maço. Bebia uma dose de conhaque, tirava uma baforada, olhava o movimento da rua, quase inexistente, salvo os automóveis que passavam. Um ambiente vazio, sem nada, um lugar sem alma, bebida vagabunda, mas o café estava bem razoável.
            Pensava na vida inútil que estava levando, por conta da morte da mulher e do filho único, numa maldita troca de chumbo entre policiais e traficantes. Professor de Física na universidade federal, autor de diversos trabalhos sobre cosmogonia, a ciência que estuda a origem e o desenvolvimento do Universo, respeitado por colegas e alunos, estava de licença médica, para tratamento das emoções completamente afetadas.
            O suicídio. Era a única forma, pensava todos os dias. Pagou e saiu do bar vagabundo.
            Continuou a caminhar, mas já não estava com a mão nos bolsos. A próxima parada seria em outro lugar decaído, que tinha uma comida bem suportável. O vinho, em caneca, também não era dos piores. Já havia decidido. Hoje seria macarrão ao alho e óleo e fatias de carne assada. Sentiu uma saliva na boca.
            Foi quando viu a cena. Um garoto de quatro anos, como se soube depois, atravessou a rua abruptamente, e o ônibus não teria como parar.
            Num ato súbito, relâmpago de quem teve o cérebro sempre desperto, Janjão deu um salto acrobático, que ele mesmo hoje não sabe explicar, jogou o garoto longe, mas teve o pé quebrado.
            Nos jornais da noite, na televisão, a notícia principal era esta. Herói, expondo completamente a vida, um professor universitário havia salvo uma criança da morte certa.
 
 
Jorge Cortás Sader Filho
Enviado por Jorge Cortás Sader Filho em 16/07/2011
Código do texto: T3098852
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