A GLÓRIA DA DIFERENÇA

Desde muito pequeno eu precisei conviver com uma realidade que iria me perseguir por toda vida: a diferença.

Sim, eu sei que de certa forma somos todos diferentes. Somos aquilo que um certo poeta já chamou de um universo individualizado de particularidades, mas se formos fazer uma observação acurada e minuciosa, acabamos por descobrir que a coisa não é bem assim. Em geral, o ser humano é produto de um sistema que massifica padrões e os impõe como norma de comportamento. E quando voce não se enquadra nessa "norma", por conseguinte voce é "anormal".

É dessa "anormalidade" que falo e é nela que me insiro desde os primórdios de minha existência.

Pra começar minha relação com as letras surgiu antes mesmo de minha chegada à escola; eu gostava mais de livros do que de filmes; eu não sentia a menor necessidade de ser igual nas idéias e procedimentos que eram comuns ao meu círculo de amizades; eu não seguia a orientação religiosa tradicional de minha família; eu não possuía o mesmo gosto musical que a minha geração venerava; eu não nutria a menor vontade de me submeter a modismos e tendências e simplesmente me sentia muito bem com o fato de não compor o chamado visual genérico.

Há um lado negativo nisso tudo. É necessária uma força de espírito herculana para suportar as críticas dantescas e o sentimento de pertencer a um seleto grupo de alienígenas terráqueos. Atravessas as noites escrevendo poemas enquanto os jovens de minha faixa estavam dançando e namorando, era algo difícil de ser explicado até para mim mesmo. Deixar de se vestir como todos de sua idade, de usar suas gírias, furar as orelhas e tatuar o corpo foi algo que me custou a fama de exótico, esquisito e diferente, sendo que, em meu íntimo, era esse meu padrão de normalidade.

O lado bom, porém, é avistar nos dias de hoje os resultados que essa "anormalidade" me trouxe. A solidez de minha consciência ajudou-me a fortalecer uma personalidade que consegue ser independente sem ser anarquista. Olho para mim mesmo e vejo um produto resultante de minhas crenças, de minhas descobertas, dos valores que consolidei como verdadeiros e da postura que ainda adoto de jamais negociá-las diante das sedutoras propostas da modernidade, com suas ideologias de consumo descartável.

Nesse meu mundo próprio estabeleci concepções rígidas acerca da verdadeira beleza do ser humano (que nada tem de estética), do real relacionamento com Deus (que passa longe da mera religiosidade), da compreensão do que seja o amor (que não é volúvel, volátil e muito menos mortal), da necessidade de priorizar a razão sobre a emoção sem que haja um mútuo desprezo ou uma desproporcionalidade em suas aplicações e, o que mais me orgulho: da iluminação interior que me levou a descobrir da família o mais valioso tesouro que um ser humano deva proteger e valorizar nesses transitórios dias de vida.

Ser diferente, talvez seja a autocondenação para os rótulos que sempre lançam o indivíduo a uma condição de menosprezo social, principalmente se essas diferenças implicam numa discordância para com a celebração daquilo que se queira impor como certo ou errado.

Obviamente, essa não é uma condição produzida de forma voluntária, como uma falsa piedade ou uma pseudo-humildade, que no fundo buscam aplausos e honras. Isso é uma condição inata da natureza de cada um, que até pode ser adquirida mediante o acúmulo de conhecimentos e a boa observação da vida, mas que, em ambos os casos, proporcionam a leveza da alma que só aqueles que ao se olharem no espelho conseguem ver a si mesmos e não uma caricatura da coletividade, podem sentir.

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Reinaldo Ribeiro - O Poeta do Amor