UMA CONSULTA DE ROTINA

Cada coisa tem seu valor. E mesmo uma coisa pode ter mais de um valor. Como assim, as coisas possuem valor relativo? Sim, damos mais valor pelo que está na moda, por exemplo, e não valorizamos quem faz a moda acontecer. Eu poderia dar outros exemplos mas tenho algo para contar.

Saí hoje às 12h de casa rumo à Casa do Diabetes, aqui na minha cidade natal. Não, não sou diabético, mas faço uma espécie de rastreamento das possíveis células da minha extirpada tireoide que foi afetada por um câncer também já extirpado. Dito isso que é um resumo da ópera, escuto chamarem meu nome: Antônio Baltazar! - essa é a voz do doutor Júlio chamando o próximo paciente - eu, do lado de fora do consultório, completo: Gonçalves!

Entro e a consulta se transforma num momento isolado da correria que tinha sido a semana. Era para ser o mais do mesmo, o "de sempre" previsível nas consultas de forma geral. Mas não foi isso, a consulta tomou o rumo de uma conversa sobre literatura e educação, sobre o incentivo aos filhos para que lessem mais. Ele cita Machado e diz em seguida que Cem anos de solidão tem sido desafio para ele. Nesse ritmo a consulta vera uma conversa e no ping pong a música entra como assunto. Falamos de arte e esporte. O Doutor Júlio é diabético e também um desportista que viaja o mundo em busca de desafios e superação. O cara me inspira.

Entre um comentário e outro, fico sabendo de "tudo" o que precisava saber da minha situação de paciente (digo, aquele que está ou esteve doente). É a competência clínica aliada ao carisma, concluo que a educação pode ser solução para qualquer diagnóstico. Comigo está “tudo bem”, só mais um exame que procura, procura e procura. Espero sinceramente que nenhum exame venha encontrar o indesejado mas... Mas não é isso a matéria dessa crônica.

Agora volto ao título. Duas quadras antes de chegar na clínica, encontrei uma moeda de cinco centavos na calçada perto da esquina. Peguei, ato reflexo, e logo um efeito inesperado. Um adolescente gritou para mim, “Tio, deixa essa moeda pra mim!?! Ele estava no semáforo pedindo dinheiro e viu aquela moeda que eu tinha achado.

Hilário e triste, ele me disse na sequência, “Deus te abençoe” – tudo tornou-se ainda mais triste. Depois veio o que já contei.

O maior valor, sei que é clichê e por isso mesmo talvez seja expressão da verdade, é a vida nos seus termos. Disso nenhum vivo pode discordar.

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Baltazar Gonçalves

Baltazar Gonçalves
Enviado por Baltazar Gonçalves em 15/07/2011
Reeditado em 19/07/2018
Código do texto: T3097332
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