O MAR

Fazia frio naquela manhã de junho e um vento sudoeste teimava, há três dias, em inflar as birutas da orla e encrespar o mar, levantando as ondas e transformando suas cristas numa fina e contínua linha de espuma branca.
Apesar disso, um homem prepara-se para sua corrida matinal e, contendo um arrepio, lança-se ao seu exercício, com redobrada vontade.
Vai descalço e beirando a água que, por vezes, lhe molha os pés "ô água gelada!"
Cedo ainda para pobres mortais, embora um ou outro valente passe por ele em sentido contrário e trocam cumprimentos, pois sabem que pertencem a uma casta diferente; a dos malucos assumidos!
Aumenta o rítmo, forçado pela entrada de golfadas de adrenalina em seu sangue. Agora, nem que quisesse, poderia parar, pois o comando de suas pernas já não lhe pertence..
Segue em direção ao quebra-mar, que divisa ao longe, meio encoberto pela névoa da manhã e pensa "aquela é a minha meta e vou alcançá-la logo".
Aproxima-se e só aí percebe um vulto sobre a areia. Chega mais perto e vê que é uma mulher sentada , vestida com roupa escura, com as mãos repousando sobre o ventre, na clássica postura contemplativa, como um Buda moreno.
Bonita? Talvez fosse, mas seu rosto trazia marcas de ansiedade, de dor, de expectativa e isso impedia vê-lo com realidade.
Durante três dias passou alí e ali a encontrou do mesmo jeito, no mesmo lugar, com a mesma postura. Olhou-a de soslaio nesse terceiro dia e continou até o fim do seu trajeto, mais ou menos uns 50 metros e, ao girar para o retorno, procurou pela mulher e não mais a viu.
Teria ela ido em direção à rua ou tomado o caminho do mar? Procurou com mais atenção e seu esforço foi em vão; simplesmente nenhum sinal da mulher!
Mesmo surpreso e curioso, suas pernas o impeliram para a frente, porém, em todo o caminho de volta, seu pensamento estivera sempre ligado no que havia acontecido e milhares de hipóteses lhe passaram pela cabeça, numa tentativa desesperada de encontrar a verdade, dentre as quais tomava vulto a de que seria ela a mulher de algum pescador que saira de madrugada e não voltara. De repente pára, domina suas pernas, retoma o controle , senta-se na areia e assume, sem pensar, a mesma postura da mulher que vira durante os três últimos dias.
Olha para o mar batido, escuro, quase feio e, de sopetão, vem-lhe à mente um trecho do doce Dorival Caymmi, numa das mais belas canções que compôs - "o pescador tem dois amor, um bem na terra, um bem no mar" .
Se assim é, querido poeta, posso supor que, agora, estarão todos juntos num fraterno abraço.



paulo rego
Enviado por paulo rego em 15/07/2011
Reeditado em 19/09/2011
Código do texto: T3096847