Xodó pelo latim



          1. No seminário seráfico, meu curso de latim não foi tão brilhante como alguns ainda pensam. Podia tê-lo concluído com distinção e louvor, ou como se dizia outrora, summa cum laude.  Bastava ter dedicado mais tempo à gramática do difícil idioma de Cícero. 
          
2. Até porque, conforme se dizia naquela época, o padre só podia  considerar-se definitivamente preparado se fosse um bom latinista. A missa, vale lembrar, ainda era rezada em latim.  
          
3. Mas Deus, Onisciente, cuidou cedo de limitar minha intimidade com a língua oficial da Sua Igreja. Eu fora chamado, sim, mas não fora escolhido - Multi sunt voccati, pauci electi.
          
4. Há décadas distante dos claustros franciscanos, contento-me, hoje, em repetir algumas máximas e expressões latinas que aprendi com frei Paulo Kleinken, um mestre impecável do idioma dos Césares.
          Ele tinha, na ponta da língua, capítulos inteiros do De Bello Gallico, o livro onde Júlio César relata o seu vitorioso desempenho como comandante militar nas guerras da Gália. 
          
5. Quando estava de veneta, dizia, de cor, parte dos discursos de Marco Túlio Cícero contra Lúcio Sérgio Catilina, as famosas Catilinárias. Começando, claro, pela célebre indagação conhecida por todos: "Quousque tandem abutere, Catilina, patientia nostra?" 
          
6. Recordando, aqui, o saudoso mestre, reconheço que vacilei quando desprezei a Ars Latina, a velha e temida gramática adotada no meu seminário.  Se eu a tivesse frequentado com mais assiduidade, como frei Paulo, aliás, queria, eu estaria, hoje, entre os brasileiros que escrevem o Português com irrepreensível competência e correção.
          
7. Quando dei os primeiros passos na advocacia (oh! já faz quase meio século) apelei, com freqüência, para expressões latinas, usando-as, data venia, em minhas petições e arrazoados,  o quantum satis.
          
8. Há quarenta e cinco anos, lançar mão de termos e citações latinos, nos embates forenses, não era esnobismo, como acham alguns causídicos modernos. Não lhes tiro a razão. Reconheço que, permissa venia, é difícil gostar daquilo que a gente não conhece. E o Latim, para a maioria desses nobres colegas, não passa de um enferrujado idioma de velhas sacristias cheirando a incenso.
          Convencionou-se dizer que o Latim é uma língua morta. Oh! Não chegaria a tanto. No máximo diria que sua saída do currículo escolar fê-lo, apenas, cair em desuso. 
          
9. Não há, porém, como negar que de determinadas expressões latinas, é difícil fugir. Exemplos: Pro labore; Alea jacta est; Dura lex sed lex; Mutatis mutandis; Quorum; Sine die; Per capta; Curriculum vitae; Animus lucrandi; Honoris causa; fecundação in vitro, et cetera, et cetera.
          
10. Perdão por confessar, publicamente, e sem o menor constrangimento, o meu incontrolável xodó pelo Latim.  Parecendo um tanto radical, mas considero persona non grata quem insiste em chamar o Latim de língua morta. Pax et Bonum!
 
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 05/12/2006
Reeditado em 24/10/2019
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