O pequeno e bom Manéuzinho
Todos o conhecem ali na praia. E de alguma forma o admiram. Bom de coração e prestativo até o limite de suas condições físicas, não tem inimigos, desafetos e nem, haja vista a sua situação financeira e patrimonial, credores. Seu nome é Manoel, mas é conhecido mesmo como Manéuzinho. Mede não mais do que 150 centímetros, pesa, no máximo, 45 quilos e, apesar do nome luso, é negro e se não é carioca de nascença é adotivo.
Já deve estar com mais de 45 anos de praia e, como soube outro dia, não só de praia. Dentre os seus “trabalhos externos” contam que fora motorista de Leonel Brizola e de Giulitte Coutinho; que trabalhou com Fernando Gabeira; e que fez de tudo nos sets de filmagem da Globotec. Parece que cansou, ou se decepcionou, porque hoje não tem sequer os documentos de identificação ou quaisquer outros que o permitissem ser reconhecido como cidadão e até, caso desejasse, o permitissem voltar a trabalhar. Não tem um papelzinho sequer. Nada. É livre como o tiziu.
Ora, perguntariam os incrédulos, mas de que vive o tal Manéuzinho? Respondo: capitão da areia que é, não lhe falta morada e, como pagamento pelos pequenos serviços que presta não lhe faltam também comida ou bebida. Vive e trabalha na praia. Monta barracas de ambulantes, corta cocos, carrega mesas, cadeiras, barracas de praia e barris de cerveja (e ajuda a esvaziá-los). Faz todos os serviços que se lhe apresentam naquela faixa de areia, desde as 7 horas da manhã até às 7 horas da noite quando, como um golfinho, segue para o seu desconhecido e sagrado local de repouso. Reedita hoje a vida selvagem que existia por aquelas bandas há pelo menos cinco séculos atrás e parece não sentir falta das facilidades do mundo moderno. Facilidades pelas quais nós, em grande maioria, nos matamos para conseguir.
É bom estar ao seu lado. Todos gostam de pelo menos um papo rápido com ele. Papo que, infalivelmente, leva a uma brincadeira ou gozação. É bom deixar claro que, por aqui no Rio de Janeiro, a gozação é uma boa demonstração de carinho entre os machos. Aliás, uma das maiores. Pensando bem, ninguém tem a liberdade de gozar (parece que hoje se fala zoar) quem não goste. É preciso muita intimidade e principalmente confiança no alvo para que uma boa gozação faça rir a todos. Ela é tão mais carinhosa e engraçada quanto menos reações adversas provoque em seu destinatário ou, melhor ainda, se provocar reações de mau humor e agressividade cuidadosamente simulados, como no caso do Manéuzinho. A quantidade diária de carinhos desse tipo de que é alvo é imensamente maior do que a quantidade de e-mails que qualquer um de nós recebe em um mês.
É claro que tem namorada. E não são poucas. Segundo o último censo, treze moças lhe fazem companhia eventual. Não pensem em lindas modelos ou colunáveis. Provavelmente não atraem interesses fotográfico-financeiros, mas segundo o próprio são amadas profundamente, sem interesses escusos e sem mentiras torpes. Uma delas parece estar querendo levá-lo para casa onde, a seu ver, poderia amá-lo e cuidá-lo com exclusividade. O impedimento é a mãe da moça, que não aceita o consórcio mas... os dois pombinhos aguardam pacientemente que a proprietária do imóvel passe dessa para melhor, liberando o apartamento para abrigadas e infindáveis noites de lua-de-mel. Enquanto isso não ocorre, ele continua aberto à visitações, todos os dias e noites ali mesmo na praia, com suas canelinhas finas, braços nervosos, alguns dentes a menos e uma presença tão leve quanto seu próprio corpo.
O que intriga nisso tudo é que, se a gente perguntar onde estará Manéuzinho agora? Obtém como resposta silenciosa, esteja ela certa ou não, pensamentos que nos remetem, na maioria das vezes, a um lugar melhor do que aquele em que estamos no exato momento da pergunta. Agora, se avançarmos nos questionamentos e nos fizermos mais perguntas, do tipo: será que ele gostaria de estar aqui, agora, no meu lugar? A resposta possivelmente nos faria refletir profundamente sobre a vida.