Amanhã, papai
Amanhã, papai
Era véspera da comemoração do dias dos pais.
Na escola, tudo caminhava muito bem. O presentinho confeccionado pelas crianças entre quatro e cinco anos, com a ajuda primorosa da professora, era simples, não para as crianças, pois ali estava o melhor dos sentimentos feito por mãozinhas sagradas, doces, filhos...
Era um porta-caneta feito com uma caixa de leite longa vida, com detalhes trabalhados em lantejoulas e bem no centro da frente da caixa a foto dos pequenos, sorrindo, é claro.
Sorrisos com bocas fechadas, ou abertas com janelinhas, ou com os dentes cerrados, alguns com olhares “piscantes” ou arregalados, com vergonha, ou sem...
Filhos para os pais...
Tudo era alegria, mas não era dia de levar ainda e todos os pequenos já estavam ansiosos para entregá-los aos paizões.
Porém, nem todos. Luciano trazia no semblante olhares de dúvidas que confundiu sua professora.
- Que cara é essa Lu? Quis saber a professora.
- Não quero levar meu presente, disse o menino com um beiço de fazer dó.
- Por que meu menino? Justamente o seu presentinho que está tão lindo. Incentivou a professora.
- Ora, porque eu não tenho pai. Ele morreu. Se não tenho pai, para quem vou dar o presente?
A professora pensou só um pouquinho e disse:
- Você pode entregar para sua mãe.
- Minha mãe é mãe, ela não é meu pai, respondeu o pequeno aumentando ainda mais o beiço.
- Então você entrega para seu irmão.
- Para que? Ele vive batendo em mim.
A professora fez um afago e sem ter muita resposta para ajudá-lo, tentou confortá-lo:
- Você não vai levar o presente hoje. Amanhã eu ajudarei você a decidir para quem você vai dar seu presente.
O menino fez um pequeno gesto, como que aceitando aquela última ideia e continuou no seu trabalho de decorar aquele presente, ainda sem destino.
Ao final da aula daquele dia, a professora procurou a merendeira que conhecia a maioria das famílias da escola, pois ela pertencia ao mesmo bairro e poderia dar outras informações sobre Luciano.
A professora tinha razão. A merendeira conhecia a família e a vida daquele menino, e a verdade sobre seu pai era outra. O menino tinha outros irmãos e que também não sabiam quem era seus pais, tamanho problema matrimonial ocorria nessa complicada família.
A pobre da professora praticamente não dormiu aquela noite e o que é pior, não encontrou uma resposta se quer para ajudar o pequeno Luciano.
Já no início da aula o menino procurou sua professora e disse confiante:
- Professora, já sei para quem dar meu presente...
A professora levou um susto e pensou consigo mesma: “mas como? Eu não consegui uma solução, como uma criança de quatro anos me diz isso?”. Mas ela quis saber:
- Para quem você vai entregar o presente, querido?
- Para mim mesmo. Vou crescer. Vou ser pai e vou ganhar dois presentes: aquele que meu filho vai me dar e esse que me darei...
do livro Meninas eMeninos - volume II - editora Topázio - Araras/SP
2009 - Sérgio Prado