O VALOR DAS LETRAS
As velhas mãos calejadas não sabiam sequer segurar o lápis que numa ferrenha luta, feria o papel até rasgá-lo, levando-a por diversas vezes a abandonar o instrumento de luta e desistir no meio da batalha, numa tristeza de quem não teve oportunidades oferecidas pela vida, de frequentar os bancos de escola, de aprender a juntar as letras e formar palavras, frases, textos, sonhos,... ou simplesmente, pousar numa linha pautada o desejado nome escrito de próprio punho.
No silencio gritante de sua tristeza muda, deixava sobre a mesa o papel e o lápis e ia cuidar de seus afazeres domésticos ou sentar-se na poltrona velha coberta de colcha feita de retalhos pra assistir a televisão caixotão de madeira que pra funcionar direito carecia de uns bons tapas.
Esse ritual de tentativas e desistências se repetiam diariamente quando a filha normalista chegava em casa trazendo no peito o profundo desejo de livrar a mãe da mancha roxa no dedo de todas as vezes que esta precisava assinar alguma coisa...e enchia os olhos d’água por ser analfabeta, numa mistura de sentimento de humilhação, impotência e dor... As teorias de alfabetização, as técnicas e procedimentos didáticos, tudo o que aprendia procurava usar com a mãe, seria uma realização alfabetizar alguém tão querido e ver nos traços manuscritos dela a libertação de uma vergonha trazida por tantos anos no silencio daquele coração.
Passava o tempo e os progressos começaram lentamente a aparecer e a mão teimosa e pesada já se permitia a escrita de rabiscos ininteligíveis mas que representavam um progresso magnífico, ... e o coração daquela mãe e da jovem normalista se enchia de prazer e alegria e o pensamento divagava na certeza: “Quero ser alfabetizadora.”
Os olhos da mãe brilhavam na expectativa de escrever o próprio nome e não ter mais que sujar os dedos na agencia bancária todo mês, quando ia receber a pensão. Mas as ironias do destino pregam peças que não se pode prever. A jovem normalista se formou, começou a trabalhar (não como professora das séries iniciais, mas das finais do Ensino fundamental). Foi lecionar longe e quase não tinha mais tempo para ensinar a mãe que aprendia lentamente. Depois veio a doença e a mãe faleceu sem ter aprendido a escrever o nome... sem deixar de manchar de roxo os dedos e a alma.
A jovem enterrou juntamente com a mãe o sonho de ser alfabetizadora, mas a lembrança de sua velha mãe tentando aprender, e o desejo de ver a filha instruída e formada alimentou seu amor pela profissão, seu amor pelas letras. Décadas depois a filha encontra-se diante do computador, digitando esse texto, com os olhos marejados de lágrimas e o desejo de prestar uma homenagem à mãe analfabeta que lhe ensinou a valorizar as letras e amar a literatura.
“Lhe amo mãe, eu tentei alfabetizá-la e não consegui, mas com você aprendi a ler nas entrelinhas as lições que a vida me dá...”
(Irene Cristina dos Santos Costa - Nina Costa, 14/07/2011)