A natureza e o homem só...
Por Abilio Machado (09072011)
A chuva faz o peito do homem se abrir, as palavras surgem algozes no pensamento e dilacera como navalha, canta extremos na face febril do reflexo no espelho manchado pelos dias.
Que dizer das vidraças apedrejadas pela raiva contida dentro de si, uma raiva de tudo que não te pertence como a culpar aquilo pelo que não se tem, são fissuras na minha mente que corrompem os pensamentos e deixam vazio.
Em pouco ganhou a calçada enlameada, sentia-se leve e com calor, mesmo com aquela saraivada de água que lhe batiam às costas arcadas, a bem da verdade aquele momento o fizera acalmar, a sentir-se mais idiota ainda ao olhar a mesma situação agora de dentro da chuva incessante.
As lâmpadas cobriam o pouco espaço entre os postes de cimento, os bueiros estavam ao limite cheio de sacolas e papéis a redemoinharem, é como se naquele momento o céu se desmanchasse em solidariedade à sua dor, a dor de viver...
Olhou para o barulho que engrandecia e viu um vulto negro rugir pela encosta, correu o mais que pôde gritando para saírem que o morro descia, desabava, acabava com árvores, casas, pessoas.
Logo o ar começou a lhe faltar, as pernas pareciam ao lhe obedecer, se viu arrastado e em vã consciência tentava agarrar-se, tinha de parar, ou deixar-se ir, não sabia, naquele instante queria sobreviver, a lama com muita água não deixava com que puxasse p ar pelas narinas que sentiam o odor maravilhoso do barro, da terra, sua terra que tanto ama, a cabeça parece ser arrancada, uma parte de casa passa pelo seu lado, vê umas rodas e barulho de lata retorcendo...
E lá para si comandava e dava ordem: não se deixe ir, não desmaia, tu é homem pô...
Estava sendo sepultado vivo e sabia disso, seus movimentos cada vez mais difíceis, água suja na garganta, o gosto do barro rasgando, os olhos tentando ver onde estava, só sabia que estava sendo arrastado e enterrado... Por instantes decidiu morrer, deixar-se levar pelos braços agora não mais assustadores, da morte.
Ali dentro da natureza que cobrava sua parcela da afronta que todos os homens lhe faziam dia após dia, ante aquela poderosa força de persuasão, que agora dizia tenta me ferir neste momento com suas armas de guerra, com tuas máquinas de cortar, com sua tecnologia de me furar, vem homem pequeno tentar me enfrentar.
Era assim que naqueles restos de vida pensava, tentou mover os ombros, as pernas, nada, cadê meus membros, parecia uma bobagem, mas naquele estado ali semi morto lhe surgiu do nada uma vontade louca de urinar, e agora naqueles pensamentos que lhe vinham da natureza sentiu-se amedrontado pelas tantas vezes que desabotoara a calça e lançara à beira da estrada sua escaldante urina e por vezes brincava a tentar algumas formigas carregadeiras, pareceu que algo liso e gelado passou sobre ele numa fuga e quase na sua boca da cabeça presa que estava a ponta da cobra lhe bateu a face, como a dizer ‘ viu, pense besteira, pense’.
Deu uma última olhada para o alto e foi obrigado a fechar os olhos pela chuva ainda forte e a corrente de lama e restos, as forças se esvaiam, a vontade de lutar já não lhe dava ânimo, então decidiu morrer, começou várias vezes uma oração, cada vez que ia levando as palavras um barulho se ouvia ou algo batia, o pavor começou quando não dava mais nem mesmo para respirar, a lata que colocara sobre o rosto estava sendo levada para o lado e seu pavor cresceu quando ela foi arrancada e uma luz forte bateu sobre ele e uma voz gritou:
__Graças a Deus!
Alguém lhe viu ser derrubado e acompanhou sua luta, marcando o lugar certo onde parara, sob a corrente de lama e com outros da equipe de busca haviam acabado de lhe desenterrar...
Não levara mais de dez minutos, mas para ele que lá estava atolado na lama cada flame de sua vida ganhou uma dimensão de absoluto.