SANTA TERESA - A DA MINHA INFÂNCIA
- Como está Santa Teresa?
- Pelo que eu sei, muito bem! Tem até bondinho ainda!
A simples menção desse nome remete, imediatamente à minha infância, provoca em mim uma enorme saudade de um tempo diferente, de rítmo mais cadenciado, de vizinhos que se integravam, que eram cúmplices, do leite na porta de casa, colocado alí pelo homem que poderia ser considerado dos mais confiáveis do planeta, pois trazia, preso ao cós de sua calça um chaveiro imenso com todas as chaves das residências que atendia.
Do padeiro com seu triciclo ostentando cestas contendo guloseimas que tentavam adultos e crianças.
Do garrafeiro, português de calças listradas, atarracado, talvez pelo peso que levava no cesto sobre sua cabeça e que recolhia a garrafaria da redondeza por alguns tostões.
Da misteriosa e temida D.Cristina, negra possivelmente alforriada, sempre vestida de branco, andar lento e já vergada pelo peso dos anos. Nunca a vi com a mais leve nódoa em sua roupa de baiana, com turbante e tudo. Sua roupa era extremamente alva e se ouvia dizer que portava sete saias e as ia usando, uma a cada dia! Ninguém sabia sua morada e no meio da criançada corria solto o boato de que ela era um bruxa e por isso ninguém seria besta de se meter com ela.
Santa Teresa, das ruelas, dos sombrios becos, das íngremes travessas, dos grandes espaços vazios, das imensas chácaras, onde se via, ainda, jovens mucamas desfilando por seus terreiros, exatamente como fora no tempo colonial.
Santa Teresa, da correria louca pelos matagais incultos, do roubo da fruta madura em pés alheios, da desenfreada pelada, disputada bravamente mesmo sendo praticada numa ladeira. Quantas unhas do dedão ficaram ali, arrancadas pelas pedras das paredes!
Santa Teresa, do enorme, negro e reluzente Rolls-Royce da embaixada do Canadá, única coisa que conseguia parar a bola, para extase da garotada que invejava aquele empertigado motorista, de vistoso uniforme, que nem se dignava desviar os olhos para os meninos!
Santa Teresa, das longas caminhadas até o Silvestre à caça dos caniços de pesca, das arriscadas excursões pelas matas, das brincadeiras sadias, do esconde-esconde...
Quantas vezes aquele jovem estudante, ainda de uniforme, subiu sofregamente a escadaria de pedra do 47 da rua Hermenegildo de Barros, para cair nos braços da mulata Adelma. Alí ele pôde, pela primeira vez, conhecer em sua plenitude o contorno maravilhoso de um corpo de mulher; ali conheceu o amor e, daquela janela de sobrado, já se distanciara cosmicamente do resto dos amigos, pois já era um homem!
Por onde andará a mulata Adelma? Estará viva ainda?
Como gostaria que sim e que lesse esta minha crônica, pois para ela também, estou certo, a lembrança seria muito grata.
Santa Teresa, que resiste bravamente ao avanço da tecnologia, que mantém os trilhos do seu bondinho serpenteando, com seu brilho metálico, por suas estreitas e sinuosas ruas; que impede a escalada da floresta de pedra que a circunda e tenta vencer suas encostas, pretendendo engolfá-la; que guarda zelosamente seus casarões, seus humildes botequins, suas tradicionais quitandas.
Peço à Santa que lhe emprestou o nome, que a mantenha exatamente assim, que a gente possa ,por muito tempo ainda , ter o prazer de caminhar por suas ladeiras , de respirar um ar muito mais puro, de apreciar seus casarões, de ter uma visão privilegiada de parte da nossa cidade, de sentar num banco no Largo do França, de subir até o Corcovado e, mais do que tudo, andar naquele bondinho, passar pela estação do Curvelo e surpreender-se, sempre, no trecho sobre os Arcos da Lapa, cartão-postal do Rio, de imponente beleza.
Que Santa Teresa a proteja!
- Como está Santa Teresa?
- Pelo que eu sei, muito bem! Tem até bondinho ainda!
A simples menção desse nome remete, imediatamente à minha infância, provoca em mim uma enorme saudade de um tempo diferente, de rítmo mais cadenciado, de vizinhos que se integravam, que eram cúmplices, do leite na porta de casa, colocado alí pelo homem que poderia ser considerado dos mais confiáveis do planeta, pois trazia, preso ao cós de sua calça um chaveiro imenso com todas as chaves das residências que atendia.
Do padeiro com seu triciclo ostentando cestas contendo guloseimas que tentavam adultos e crianças.
Do garrafeiro, português de calças listradas, atarracado, talvez pelo peso que levava no cesto sobre sua cabeça e que recolhia a garrafaria da redondeza por alguns tostões.
Da misteriosa e temida D.Cristina, negra possivelmente alforriada, sempre vestida de branco, andar lento e já vergada pelo peso dos anos. Nunca a vi com a mais leve nódoa em sua roupa de baiana, com turbante e tudo. Sua roupa era extremamente alva e se ouvia dizer que portava sete saias e as ia usando, uma a cada dia! Ninguém sabia sua morada e no meio da criançada corria solto o boato de que ela era um bruxa e por isso ninguém seria besta de se meter com ela.
Santa Teresa, das ruelas, dos sombrios becos, das íngremes travessas, dos grandes espaços vazios, das imensas chácaras, onde se via, ainda, jovens mucamas desfilando por seus terreiros, exatamente como fora no tempo colonial.
Santa Teresa, da correria louca pelos matagais incultos, do roubo da fruta madura em pés alheios, da desenfreada pelada, disputada bravamente mesmo sendo praticada numa ladeira. Quantas unhas do dedão ficaram ali, arrancadas pelas pedras das paredes!
Santa Teresa, do enorme, negro e reluzente Rolls-Royce da embaixada do Canadá, única coisa que conseguia parar a bola, para extase da garotada que invejava aquele empertigado motorista, de vistoso uniforme, que nem se dignava desviar os olhos para os meninos!
Santa Teresa, das longas caminhadas até o Silvestre à caça dos caniços de pesca, das arriscadas excursões pelas matas, das brincadeiras sadias, do esconde-esconde...
Quantas vezes aquele jovem estudante, ainda de uniforme, subiu sofregamente a escadaria de pedra do 47 da rua Hermenegildo de Barros, para cair nos braços da mulata Adelma. Alí ele pôde, pela primeira vez, conhecer em sua plenitude o contorno maravilhoso de um corpo de mulher; ali conheceu o amor e, daquela janela de sobrado, já se distanciara cosmicamente do resto dos amigos, pois já era um homem!
Por onde andará a mulata Adelma? Estará viva ainda?
Como gostaria que sim e que lesse esta minha crônica, pois para ela também, estou certo, a lembrança seria muito grata.
Santa Teresa, que resiste bravamente ao avanço da tecnologia, que mantém os trilhos do seu bondinho serpenteando, com seu brilho metálico, por suas estreitas e sinuosas ruas; que impede a escalada da floresta de pedra que a circunda e tenta vencer suas encostas, pretendendo engolfá-la; que guarda zelosamente seus casarões, seus humildes botequins, suas tradicionais quitandas.
Peço à Santa que lhe emprestou o nome, que a mantenha exatamente assim, que a gente possa ,por muito tempo ainda , ter o prazer de caminhar por suas ladeiras , de respirar um ar muito mais puro, de apreciar seus casarões, de ter uma visão privilegiada de parte da nossa cidade, de sentar num banco no Largo do França, de subir até o Corcovado e, mais do que tudo, andar naquele bondinho, passar pela estação do Curvelo e surpreender-se, sempre, no trecho sobre os Arcos da Lapa, cartão-postal do Rio, de imponente beleza.
Que Santa Teresa a proteja!