Então vejamos
ENTÃO VEJAMOS
(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 13.07.11)
A notícia é deprimente: "O desmatamento na Amazônia em maio aumentou 144,4% em relação ao mesmo mês de 2010. Foram 268 km² de área desmatada contra 109,6 km² no mesmo período do ano passado." Isso dá dois terços da Ilha de Santa Catarina (424,4 km² de superfície) só num mês de devastação. Mantida a média, serão sete ilhas e meia de floresta erradicada em um ano. Nuvens sobre a região, porém, permitiram que satélites observassem e comparassem menos da metade, apenas, de toda a Amazônia.
Mato Grosso, Pará e Rondônia têm sido os grandes campeões dessa corrida sinistra. Pará vai perder o posto assim que o estado for dividido em três. Tapajós e Carajás, maiores do que o Pará remanescente, vão incrementar esse ritmo alucinante, pois terão que construir, em suas capitais, muitos prédios públicos e privados a fim de abrigar os novos serviços indispensáveis às suas estruturas; e estender muitos quilômetros de asfalto a fim de unir entre si suas cidades perdidas no meio da mata; e emancipar dezenas de novos municípios a fim de supostamente melhor assistir aos seus sequiosos habitantes e, na verdade, criar mais prefeituras, secretarias, câmaras de vereadores e assessorias; e implantar muitas fazendas mais para a criação de gado e a plantação de grãos a fim de alimentar a sua gente e exportar o excedente, pois suas populações crescerão de maneira vertiginosa e famélica mas também exigirão renda e salário. "Precisamos progredir!", bradarão ufanosos, ufanistas, reclamando verbas federais sem fim, os governadores dos novos estados.
Se, depois disso, sobrar pouco espaço para a saudosa Floresta Amazônica, paciência!: o progresso vem mesmo a galope e nem pede passagem, atropela tudo o que se puser em seu caminho.
Pior ainda é que sobe a 60% o desperdício da madeira nativa da Amazônia, extraída de áreas de manejo autorizado ou por desmatamento ilegal: devido a um beneficiamento ineficiente, perde-se esse volume imenso que não chega à construção civil nem à fabricação de móveis.
Ruralistas e evangélicos, gente que costuma prezar ao extremo os seus respectivos negócios, altamente lucrativos, em regra relegando a último plano o interesse social e o bem coletivo, são os grandes impulsionadores da retalhação do Pará - para melhor dizimá-lo. Pouco importa a destruição da inestimável riqueza que é a diversidade biológica da Amazônia (mas também do Pantanal, da Mata Atlântica, do cerrado e da caatinga), o que é preciso é botar abaixo o que for possível de matagal confiando num suposto perdão que será, ou seria, concedido àqueles que desmataram antes da aprovação do novo Código Florestal Brasileiro. Daí a fúria incansável com que são tracionadas feito navalhas traiçoeiras grossas correntes presas a possantes tratores num arrasto impiedoso e indiscriminado, criminoso, como se árvores da floresta fossem tainhas no mar.
Temos culpa, aqui, e damos péssimo exemplo, quando permitimos a aprovação do malsinado Código Ambiental de Santa Catarina, que submete o meio ambiente ao interesse econômico, que compromete o futuro e a sobrevivência em nome de uma autonomia irresponsável, egoísta e imediatista. Aqueles que deveriam representar os interesses da população e lutar até o fim pelo bem comum, vendem-se a conveniências partidárias e, especialmente, a projetos personalistas - e, cada vez mais, deixam de lado o sentido figurado da palavra e vendem-se por dinheiro mesmo.
Há 30 anos já advertia Ignácio de Loyola Brandão: "Não verás país nenhum".
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Amilcar Neves é escritor com oito livros de ficção publicados.
A partir de 01.07.2011, é candidato à Cadeira nº 32 da Academia Catarinense de Letras.