O Admirável Mundo Novo Baiano

No céu azul, azul

Forma-se uma nova raça

Saindo dos prédios para as praças

Uma nova raça

Na década de 70, embalado talvez pelos bons ventos da Era de Aquário, pela atmosfera de uma filosofia de vida mais sintonizada com a natureza e uma sensibilidade voltada para o crescimento espiritual, sem dispensar as experiências comportamentais mais radicais, Luiz Galvão, o poeta que traduziu em palavras a filosofia de toda uma geração, escreveu esses versos. A música - Colégio de Aplicação - do primeiro álbum dos Novos Baianos.

Essa geração - que Galvão soube tão bem traduzir - percebia o céu azul para além das telas de tevê – não se permitia ficar em casa, trancados num prédio; ocupavam as praças, levavam seus pandeiros, violões e guitarras e faziam sua música, desbaratinavam e subvertiam o estabelecido. Era uma nova raça que nascia para reinventar o mundo caduco – mundo de duas guerras mundiais, de ditaduras militares, demarcado em fronteiras. Era preciso reinventá-lo. Reinventá-lo e reinventar-se. E lá estavam, os meninos que cresceram jogando bola nos interiores e subúrbios do Brasil, fazendo música e driblando a caretice armada dos milicos, tudo isso com irreverência e samba no pé.

Eram e são os Novos Baianos essa nova raça que veio dá vida nova às velhas praças, descendo no samba, subindo de rock, tinindo trincando num chorinho. Eram moleques do Brasil, que pediam e davam esmola, corações que se deixavam guiar pela lei natural dos encontros – é bonito vê-los, todos unidos, formando um belo time onde entram todas as raças sintonizadas pelo amor em fazer música e jogar futebol.

Digo isso porque – se tem alguma coisa boa que produziu o século XIX, foi essa tal de Sétima Arte, o Cinema. Porque no ano de 1973, quando os Novos Baianos ainda moravam no agora famoso sítio Cantinho do Vovô, em Jacarepaguá – Solano Ribeiro registrou com muita sensibilidade como era a vida diária e a filosofia da rapaziada no Cantinho do Vovô através do documentário “Novos Baianos Futebol Clube”.

Nesse documentário – que hoje é acessado pela internet por gente de todo canto do mundo – assistimos a cenas como as de Dadi, Jorginho e Pepeu ainda rapazotes dando rolé à toa de bicicleta pelo sítio, um monte de criança pra cima e pra baixo, nos colos, soltos a correr, tomando banho nos baldes. Buchinha debaixo do chuveiro, Baby dando banho em menino, a galera fazendo mutirão pra preparar o almoço, saindo com todo o time pra jogar bola. Entre eles Moraes Moreira, Paulinho Boca de Cantor, Gato Félix, Charles Negrita e Bola Moraes– todos na caçamba de um caminhão, sob um céu ensolarado de fazer sorrir até o mais triste dos homens, tendo ainda de quebra o Bilhete para Didi como trilha sonora de fundo. Tudo isso o documentário de Solano nos presenteia de bandeja, numa linguagem despojada de qualquer artificialismo.

A certa altura do documentário, o registro de mais um depoimento onde Luiz Galvão revela quem eram os Novos Baianos, sua filosofia.

- Os Novos Baianos é um cara que não admitiu deixar de ser menino. (...). Novos Baianos é um cara alegre, que acredita que a vida só está começando...

Essa é talvez a sabedoria que o poeta Galvão e os Novos Baianos deixaram para as novas gerações, a novas raças precisam continuamente se reinventar, se opor frontalmente aos modos de vida estabelecidos. Essa nova raça precisa soprar vida nova nesse mundo caduco – tudo isso para que esse mundo, ainda afeito às guerras, fronteiras e desmatamentos, se torne, finalmente, um Admirável Mundo Novo Baiano!

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Alex Canuto de Melo
Enviado por Alex Canuto de Melo em 12/07/2011
Código do texto: T3091432
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