Já havia lido há muito um texto de Freud, intitulado “ O Estranho” e que descreve o estranho como aquele que “provoca medo e horror; certamente,também, a palavra nem sempre é usada num sentido claramente definível…”.Neste texto, Freud faz uma análise sobre o conto “Homem de areia”. Eu me lembrava, remotamente, dos seus detalhes e retomei os comentários daquele que é o “papa” eterno e fundador da Psicanálise.
De posse do livro “Contos fantásticos do século XX”, organizado por Ítalo Calvino, deparo-me com o conto de Ernst Theodor Amadeus Hoffmann, O Homem de areia. Leio avidamente e vou fazendo as minhas associações. Sei que, quando criança, escutava meus pais dizerem: “Não fale com estranhos. Desconfie e venha para casa!” Ainda escutava, não sei quem falava, que havia um “bicho-papão” que colocava criancinhas dentro de um saco e levava para Recife. Lá, havia uma pessoa que tinha problemas de saúde e só comia fígado de crianças. Eu morria de medo. Hoje os pais dão instruções semelhantes, para que não recebam balas de desconhecidos, não conversem com estranhos, além dos riscos de seqüestros, que acontecem realmente. O mundo tornou-se bem mais perigoso e os horrores acontecem sem serem fantasias.
O conto relata a infância de Natanael. Pouco via o pai durante o dia, mas à noite, após o jantar, ia com seus irmãos e a mãe ao escritório do pai escutar e folhear livros de histórias. Às nove horas, sua mãe mandava –os dormir, dizendo:”Vamos, meninos!Para a cama! O Homem de areia está chegando, eu sei,” Uma noite perguntou à mãe quem era este Homem de areia. Ela lhe falou que não existe. Ao dizer que ele estava chegando, era por conta do sono que não tinha como manter os olhos abertos, como se neles fossem jogada areia. Ele não ficou satisfeito e foi fazer a mesma pergunta à babá da irmã mais nova e ela lhe respondeu: “É um homem mau que aparece para as crianças que não querem ir para a cama e joga um punhado de areia em seus olhos até que estes saltem das órbitas,cobertos de sangue; então ele os guarda em um saco e os leva para a Lua,onde seus filhos os comem;é lá que els moram,em um ninho,têm bico adunco de coruja e o usam para arrancar os olhos de crianças travessas.”
Parece, infelizmente, que as coisas negativas são mais percebidas; o garoto passa a acreditar no que foi contado pela babá. Certo dia, já com dez anos, resolveu descobrir quem era o Homem de areia. Suspeitou do advogado, Coppelius, que às vezes jantava em sua casa e não era considerado simpático por sua mãe,uma vez que percebia que ela ficava triste e sisuda. Seu pai fazia experimentos químicos, um tipo de alquimia, usando fogo, com o visitante. Natanael fica escondido no escritório do pai,, sendo descoberto. Foi maltratado pelo advogado e seu pai, talvez por educação, fica omisso. Depois dessa cena, o garoto adoece.
Cresce, vai estudar fora, mas sempre perseguido pelo suposto “Homem de areia”. Dos filhos, Natanael foi quem ficou perturbado pela vida a fora, marcado para valer pelo que ficou registrado como experiência traumatizante.
Estabelece um romance com uma linda jovem que vivia em sua casa, chamada Clara e viviam trocando correspondência. Numa resposta a uma das suas cartas, ela escreve: ”… Francamente, parece-me que os horrores de que falou não existiam, senão dentro de ti; o mundo exterior, verdadeiro e real, pouco tem a ver com eles…”.
De fato, os horrores internos, que se carrega dentro de si, são muito mais difíceis de serem enfrentados. Sempre falei que com os fatos exteriores a gente tenta lidar, buscar alternativas e saídas, mas os conflitos, os medos, as dúvidas, as crenças até insustentáveis pela lógica, são difíceis de serem trabalhados. Nestes casos, as ajudas de um psiquiatra e de psicólogo e/ou psicanalista conseguem amenizar o sofrimento e possibilitar uma vida mais equilibrada