Vagão 6669

Ah, droga! Como pode alguém acordar sorrindo às 5h40m numa manhã de terça-feira no inverno? Pior: esse alguém sou eu! E só mesmo as reminiscências trazidas de um sonho para fazer com que eu escancare os dentes - já faz algum tempo que a realidade vela meus sorrisos. Que posso fazer além de chutar as cobertas a muito contragosto e traçar mentalmente a estratégia para enfrentar mais um dia igual ao de ontem que será igual ao de amanhã? Tolice por tolice, estou mesmo é muito que do fodido enquanto respirar, mas fingir que as coisas podem dar certo ou serem diferentes parece ser um eficaz placebo para meus semelhantes em carne, osso e mazelas - também quero meu quinhão de ilusão e otimismo! Acho que me taxo de preguiçoso por ter preguiça de arranjar outro adjetivo que me sirva. Acho que me taxo de pessimista porque as condições humanas a nível planeta são péssimas e nada sou além de um acontecimento isolado que sensorialmente suga toda a imundície em que deposito as vistas. E elas não são poucas. E são contínuas. E quem pode mudar essa torpeza toda? Eu que não; portanto não me importo em ver uma vítima da meningite se arrastando feito um réptil andrajoso enquanto um Yorkshire de madame o contempla de um colo e intercala um latido pra ele e uma lambida num Häagen-Dazs; finjo que não vejo na banca de jornal da Sé um fulano sendo vendido por vinte milhões de euros enquanto vinte e dois fulanos da Praça não valem meio centavo de cruzeiro furado; finjo que não é nesse mundo que eu vivo e fico cego, surdo e mudo depois que bato meu ponto. Porque se eu falar o que vejo, me dão como louco.

12/07/2011 - 08h25m

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 12/07/2011
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