AS PÉROLAS
Minha amiga nunca tinha saído com o namorado. O namoro sempre transcorria dentro de sua casa. No máximo até ao portão ou à padaria da esquina ela podia ir. Era jovem, é certo, mas a mãe era muito severa.
Até que chegou a ocasião em que afinal o moço tinha conquistado a confiança da pretensa futura sogra e ela deixou que saíssem sozinhos pela primeira vez.
Chegou afinal o tão esperado dia! Praticamente levou o dia todo se preparando. Lavou aqueles maravilhosos cabelos cor de fogo e enrolou-os para que descessem em cascata cacheada pelas costas afora. (Até hoje são lindíssimos!).
Levou um tempo longo demais escolhendo um vestido adequado, um que fosse de acordo com o lugar sofisticado que ele iria levá-la. Era uma boate dentro do hotel, talvez o mais chique da cidade. Era sua primeira vez, ela não podia fazer feio.
- Mãe, me ajuda a escolher, nada pode dar errado hoje, viu?
E agora? Ela não tinha nenhuma jóia que combinasse com o vestido escolhido, ou melhor, não tinha jóia alguma. Nem uma bijuteria que pudesse passar por um adereço fino. Aí a mãe lembrou:
- Filha, eu ainda tenho as pérolas da sua avó, só que estão soltas, o fio arrebentou.
- Dá um jeito, mãe, por favor.
E a mãe deu. Pegou um cordãozinho e enfiou nele as lindas pérolas, completando com o fecho.
Chegou a hora! Vestida com esmero, pérolas no pescoço branco, cabelos soltos, cacheados, vermelhos como nunca, lá estava ela lindíssima!
O namorado chegou, olhou-a de cima a baixo, aprovando aquela figurinha meiga e querida.
Ela estava satisfeita com o resultado, muito embora, uma ponta de insegurança ainda lhe fazia bater apressado o coração. Tudo tinha que dar certo! Tudo tinha que dar certo!
Chegaram ao hotel e se dirigiram à boate.
Sentaram-se. Ela, emocionadíssima com o luxo do lugar, com a música bem tocada, com as pessoas finas, bem vestidas e bonitas que dançavam ou conversavam nas mesas, bebericando drinques exóticos. Tudo lindo! Tudo encenando aquele sonho.
O garçom se aproximou e ofereceu-lhes a carta de drinques e bebidas. O namorado escolheu alguma coisa leve para ela, à base de frutas e um pouco mais forte para ele. O garçom anotou tudo e quando ia saindo, sem querer deixou cair o guardanapo. Ambos abaixaram quase ao mesmo tempo, o garçom e a moça.
Aconteceu o desastre: a mão do rapaz enganchou no colar dela e arrebentou o cordão que prendia as pérolas e, como uma cascata de pequenas gotas nacaradas, elas se esparramaram pelo salão, cricando por todo lado, embaixo das mesas, na pista de dança, não escolhendo onde se esconder e onde parar. O som que lhe saiu da garganta foi um misto de espanto, vergonha, revolta e indecisão.
Que fazer?
O mundo parou. Após alguns segundos de interrogação como um lapso de tempo no espaço, a reação foi instantânea. Todos da boate se moveram a fim de recolherem do chão aquelas preciosidades que fugiram do colo branco e ansioso da mocinha. Apressaram-se em trazer-lhe, uma a uma, depositando as pérolas em suas mãozinhas trêmulas, em forma de concha, à altura de seu coração, logo abaixo das suas lágrimas, aquelas pérolas que caíam de seus olhos assustados e envergonhados.
Quis ir embora, o namorado meio indeciso ia fazer-lhe a vontade, mas as pessoas à sua volta não deixaram:
- Não, fique, já está tudo resolvido.
- Guarde as pérolas na bolsinha, aproveite a noite.
- Não vá.
E ela ficou. Aos poucos foi se acalmando e pôde apreciar afinal a música, o ambiente, as pessoas à sua volta, o namorado.
Foi uma noite inesquecível, lá isso foi!
Mesmo sem as pérolas... Ou talvez graças a elas...