O DIA QUE NUNCA EXISTIU
Tinha tudo pra dar certo, nos amávamos, a diferença estava na forma de nos portarmos. Você sempre atenciosa, extremamente atenta, demonstrava todo seu amor através de gestos e atitudes. Por outro lado, eu, sempre muito envolvido com minha carreira, negócios e as praticidades da vida, tentava buscar no mercado publicitário a sustentação de nossos sonhos mais sonhados, direcionando todos os meus esforços e toda minha energia em busca dos objetivos traçados para melhor prover nosso padrão de vida. Não tive muito tempo pra dizer que a amava.
Quando enfim abri as gavetas do closet, nesse dia fatídico, encontrei a lingerie vermelha de seda pura que trouxe de Nova York e que você insistia em guardar para uma ocasião especial, que nunca veio por absoluta falta de tempo, mas que hoje eu consegui encontrar e vou levá-la, e você a usará porque se não é a melhor ocasião, com certeza é última.
Amigos telefonam o tempo todo e eu preciso arrumar as coisas, achar uma roupa sóbria para vestir, mas não estou em condições de raciocinar... sinto sua falta.
Os trâmites com funerária e outros procedimentos eu não consegui fazer, minha praticidade entrou em colapso, alguém está buzinando, devem ser os amigos do escritório que também não foram trabalhar para me conduzir ao velório.
Não queria ter que atravessar a casa onde você não estará pra me dizer – Tenha um bom dia – Nem entrar na garagem onde só o meu carro está lá e o seu virou um monte de ferro retorcido.
No momento mais triste, o contato com seu corpo inerte, logo você, a quem eu não disse as coisas que deveria nas horas que deveriam ser ditas. Ontem quando você acordou, me disse algo sobre sua exposição, mas eu não me lembro o que era, sei que tinha haver com a nova galeria, luzes ou algo assim...você me ligou na hora do almoço e falou algo sobre o jantar, tinha um ar de mistério...sei que ia me fazer uma surpresa...eu acho, a tarde você chegou no escritório, eu a vi pelo vidro, justamente quando não encontrava minha proposta para apresentar à um cliente importante e acabei perdendo a conta, fiquei zangado e gesticulei para que você fosse embora, e...eu não a vi mais...desde aquele momento...só agora.
Um novo dia nasce, eu não tenho vontade de trabalhar hoje, nem amanhã, nem nunca mais...escuto tilintar de copos na cozinha, cheiro de café...- O que está acontecendo? Desço as escadas correndo e...você está lá. - Mais como? Eu ainda estou com as roupas de ontem, o terno está com cheiro de velas e os sapatos encharcados pela chuva que desabou na hora do sepultamento, será que enlouqueci? E o calendário da sala marca dia 31. Como? 31 foi ontem. Bem, não quero saber de mais nada.
- Bom dia amor – Ela diz e me beija – precisa rever seu tempo, dormiu com as roupas de trabalho, não tomou nem banho.
Surpreso mais muito contente, perguntei-lhe sobre a galeria e notei sua admiração.
- Obrigado por perguntar, você nunca pergunta sobre meu trabalho. - Teremos a inauguração de uma nova sala estava pensando se você não gostaria de dar uma olhada na iluminação, afinal, seu trabalho envolve visual, não é? E sua opinião seria muito importante pra mim... mas entendo se você não estiver disponível e...
Eu a interrompi bruscamente – Não de forma alguma, tenho tempo livre hoje e farei isso com o maior prazer...que horas podemos nos encontrar?
Ela ficou ainda mais surpresa e disse entre sorrisos – ligo pra você na hora do almoço pra confirmar – maravilha, tomamos nosso café, eu a beijei como quando namorávamos e ela disse – tenha um bom dia.
Entrei na garagem e os dois carros estavam lá.
Não sei como, nem porque, mas...eu estava tendo a chance de viver de novo aquele dia e com certeza a vida seria diferente a partir d’ali.
(*) Isso é apenas um conto, um texto fantasioso, esta chance nunca acontecerá no mesmo dia, talvez aconteça numa próxima volta a esse mundo, não deixemos que o fato se consume para choramos a atitude não tomada, vamos nos antecipar ao inevitável e mudar o rumo dos acontecimentos, isso pode ser feito, isso é livre arbítrio. Esse texto por exemplo, é apenas uma idéia de um romance a ser desenvolvido, faz parte de um livro que ainda tenho em rascunhos, não tenho um final definido para ele, ainda, mas como na vida, tenho em minhas mãos o destino de pessoas, que com meu toque pode ser mudado.
Du Valle