ROBINSON CRUSOÉ
 
 
Desde que ele deu seus passos em direção ao navio que estava no cais aportado, eu o acompanhei com vivo interesse. Robinson era um rapazote adolescente talvez, ou um pouco mais. Mas certamente um jovem aventureiro. Eu o acompanhei como se eu fosse fazer a mesma coisa que ele estava começando a fazer. Ia atrás de suas pernas fortes de juventude. Em andar firme, a pele de quem toma muito sol, pelos alourados, joelhos à mostra, bermuda e pernas vestidas de meias grossas até quase ao joelho, e nas costas levava uma mochila cheia de não sei o que, mas o que me interessava era o que levava na cabeça.
Aquela audácia de sair de casa e embarcar atrás de seus sonhos, ver o mar, as ondas, o som de a água bater de frente no navio, e os gritos dos homens trabalhando no convés, e mais tudo que ele iria conhecer e ter contato com as coisas do navio. Uma aventura, alegria, os sonhos.
Quando eu saia de bicicleta pela estrada Rio-Bahia, ainda de saibro e eu adolescente, eu ia assim feito ele. A cada dia que eu saia pedalando eu não pensava em mais nada, era uma aventura diária, o vento batendo no rosto, e o olhar apreciando tudo ao redor. A cada dia eu ia mais longe. Cada curva nova era uma alegria ver e contornar e apreciava as árvores, os pastos, as plantações, as pessoas margeando a estrada. Curioso que eu nem falava aonde ia para os de casa. Já era aceito que eu saia todo dia de bicicleta. Isto bastava para ambas às partes.
Eu era tão livre quanto Robinson Crusoé. Liberdade era fundamental. Mal sabia eu que era regida por rígidas normas de conduta social. Mas eu não sabia disso, então era feliz.
As alegrias por ele vividas eram vida pra mim também. Se ele vivia ou vivera aquelas narrativas todas, eu estava bem, bastava. Mas ele descobrir a sua ilha, a sua caverna era encantos tentadores. Ele sempre me passou muita coragem de viver, pois a cada obstáculo quase intransponível ele reagia com a imaginação criativa de superar aquele novo desafio.
Desafios e não obstáculos. Talvez tenha aprendido com ele a enfrentar a vida e olhar obstáculos apenas como desafios. A cabeça logo começa a funcionar encontrando ou criando soluções. E solução é realização, alegria, somados a orgulho de si. Muito bom a gente conseguir dar solução. Bem parecido em resolver equações de matemática e dar a solução final com a resposta certa. Desafio vencido.
Quando fico meio triste por ser sozinha, às vezes lembro-me dele, do Robson Crusoé, já homem envelhecido, mas feliz plantando uvas, depois as colhendo e carregando toda a colheita para a caverna. E com que prazer estender o varal no abrigo da caverna, mais ali pro fundo, e pendurar todos os cachos para secarem até murchinhas virarem as saborosas passas.
Ele pensava no alimento para o inverno rigoroso. Era cheio de energia e alegria de viver.
Hoje um dos prazeres da vida pra mim é comer passas, principalmente aquelas que vêem no cabinho, como os cachos da caverna do Robson Crusoé. São mais gostosas, mais macias e úmidas, não secas de todo. Saborosas. Como a vida. Cheia de encantamento.