PANORAMA DO LIXO
Ontem andava eu distraído pela cidade, quando de repente percebi que tinha muita gente comprando presentes, naturalmente para a alegria de tantos outros... Pensei: afinal, o final do ano chegou e isso é muito natural, estamos numa época muito legal e claro, propícia para se presentear as pessoas e possivelmente haverão muitas comemorações e confraternizações.
A vida é mesmo bela quando não é olhada com os óculos quebrados.
Ao retornar do passeio eis que li alguma coisa e vi que ultimamente alguns seres humanos buscam incessantemente se fazerem notados pela mediocridade e a discórdia.
É tão e quão lamentável, quanto ver uma criança triste sem presente ou um pássaro mudo numa rica gaiola de vime, mas, com a diferença que, a criança poderá se alegrar ao receber seu presente e o pássaro ao se ver livre poderá perfeitamente entoar uma canção extraordinariamente linda.
Mas, as pessoas malévolas, rancorosas e preconceituosas dificilmente terão motivos para a alegria, pois, via de regra possuem a alma pequena e o ego enorme e pior, normalmente podre, embaçando a miragem do espelho.
Nesse contrassenso, eu tolo que sou, subo a escada imaginária para mirar ao longe o desenrolar desse novelo preso na teia da viúva negra.
Volta e meia ouço o zunzum dum inseto distraído se debatendo ante a agonia da morte.
Ato contínuo desço da escada e apanho a sacola. Subo o cume da ladeira para atirar ao precipício a porção diária das minhas decepções. É preciso uma limpeza constante e sistemática para evitar o acúmulo de excrementos humanos.
Minha caminhada diária para cuidar dessa faxina tem três aspectos positivos:
Primeiro: faço mesmo que a contra gosto, exercícios físicos.
Segundo: exercito minha mente.
Terceiro: a visão do alto me apetece, de lá consigo estar em paz comigo mesmo e mais perto de pretenso Deus.
À tardinha, quando o sol se põe com a visão privilegiada contemplo ao longe, o coaxar dos sapos, fazendo o que sabem fazer.
Ando tão distraído que parece-me, que um deles gritou meu nome, percebi o ledo engano, fiquei tranquilo e disse para mim mesmo:
— Qualé Mané, deve ser um rato, um coelho ou um gato, sapo não.
Sapo não tem bigode!