Camaçari - Ontem e Hoje

Não sou natural da cidade que aqui descrevo mas, sinto-me na obrigação de render minhas humildes homenagens à ela e aos que por ela passaram e aos que ainda por lá estão.

Já lá se vão 253 anos de sua fundação, idade que se completará no próximo dia 28 de setembro, bem junto às festividades dos santos garotos Cosme e Damião e, com certeza, haverá mais uma grande festas para os seus munícipes.

Minhas memórias registram quase quarenta anos de boa convivência em um dos lugares mais tradicionais do centro da cidade, a famosa rua Getulio Vargas, próxima da praça des. Montenegro, também conhecida como praça da Estação que, pelo óbvio, está a estação ferroviária e, onde muitas vezes me servi do velho e saudoso comboio denominado 'Pirulito' para voltar para casa, na vizinha Dias d'Ávila.

Posiciono-me bem ao centro da praça e, mesclando a realidade presente com as lembranças do passado, faço um giro completo para, com as vistas, reeditar antigas imagens dos locais em que meus olhos passeiam em que, algumas já não mais existem.

Meu ponto inicial é a velha estação ferroviária, construída na década de 40, no pós segunda guerra, sua arquitetura original data do século retrasado, do de 1861 para ser mais exato, adotando-se a inscrição VFFLB - Viação Férrea Federal Leste Brasileira.

Ainda é um dos poucos edifícios públicos que mantem a suas características originais, embora esteja em total desatividade e sendo explorada pelo comercio local. Pelo menos, esse 'boulevard' com mesas e cadeiras e cervejas geladas está servindo de recanto de lembranças de alguns saudosistas, assim como eu.

Trazendo as vistas agora, mais para a direita e no sentido horário, diviso paisagem do outro lado da praça, mais precisamente na rua Ponciano de Oliveira. Lá está, bem em frente à estação, a mais famosa casa de espetáculos da cidade, o cine Camaçari. Com seus poltronas em madeira, ainda trazia o luxo de ter um balcão com algumas dezenas de lugares. De construção pequena para os padrões cinematográficos de hoje, o cine Camaçari fez a alegrias de muitos dos moradores da cidade e fora dela com as películas em preto e branco, velhos filmes de romance, intriga e seriados de aventura. Em seu lugar, hoje, está instalado o TCM - Tribunal de Contas dos Municípios, orgão fiscalizador do erário municipal. No mesmo terreno e logo atrás do agora TCM funcionava a Câmara Municipal que abrigou vereadores como Luiz Pereira Costa (que foi também prefeito), Amelio Batista Filho, Ligia Almeida Souza, Eloildo Nazaré, Manoel Norberto Machado e mais tarde, seu filho João, Francisco Assemany, João da Silva Garcia, Abinal Barbosa e Lucas Evangelista (estes tres últimos foram veradores e representavam o distrito de Dias d'Ávila, antes de ser emancipado em 1985). Também José Ellis Rocha, Jaime de Jesus Santos, Raimundo Mônaco, Dona Nilza, Professor Benevides. Odilon Garcez Montenegro, Osvaldo Nogueira e tantos outros que, por ser uma extensa lista, omito-os por exclusiva falta de espaço.

Dos prefeitos, desde Hermógenes Souza, Zeca Evaristo, Luiz Pereira Costa e, não necessáriamente nesta ordem, até o 'biônico' Humberto Ellery pois, foi indicado por voto indireto quando da instalação da área de segurança nacional em alguns municípios brasileiros, permanecendo no cargo por mais de onze anos.

Mais um pouco à direita está a rua Tupinambás e posso ver uma das primeiras lojas de móveis da rede Universal, o cartório de imóveis da comarca de Camaçari, o escritório de advogacia do dr José Anchieta e o consultório oftalmológico do dr Francisco Françu Assemany.

Meu passeio visual avança em direção à principal artéria da cidade, a avenida Francisco Drumond e posso identificar a loja de armarinhos e aviamentos, acordoamentos para violões e outras miudezas de Jose Lima, paraibanoa aradicado há muitos anos na cidade. Na esquina com a Ponciano de Oliveira está o bar do espanhol Pepe, ponto de encontro dos 'tecnicos' de futebol como o velho 'Jandaia', 'Zecão', Milton da CCL, Ceará e outros.

Sigo as vistas pelas paralelas ferroviárias no sentido do bairro dos '46', que é a marca dos quilômetros ferroviários de Salvador até aquele ponto divisando, ao longe, o famoso 'Morro dos Noivos', não me perguntem por que pois, até aqui, ainda não descobri o motivo para tal batismo.

Já de volta ao plano da praça des. Montenegro e, pousando as vistas, agora nos velhos casarões no entorno do lugar, vejo o açougue da esquina com as suas 'promoções' quase que constantes. A velha barbearia dos amigos Manuel e 'Tatui' que, além de barbeiros eram 'corretores zootécnicos' e ajudavam alguns a ganharem uns trocados interpretando sonhos para aplicar o seu significado nas pules dos jogos de bicho. Eu já ganhei uma vez. Um pouco mais acima, o velho predeio assobradado que abrigava a antiga agencia do INSS ( e não havia o movimento que hoje tem na nova agencia).

Mais acima, agora na esquina da rua Getulio Vargas, ficava o bar do Enildo e mais ao lado, a pensão de dona Santa, bem ao lado da igreja matriz de São Tomaz de Cantuária.

Na outra esquina e em frente à antiga feira está a nova agência do hoje extinto Banco Econômico (hoje pertence à rede de lojas Insinuante).

A velha feira com suas barracas de lona, montadas de forma quase que desordenadas, ladeadas pelos galpões aberto de venda de carne, verduras e hortaliças e cereais e fechando já próximo ao ainda presente supermercado Central, os galpões de roupas e confecções.

No ponto de ônibus em frente à antiga agencia do banco Nacional (hoje Unibanco), ficavam as barracas do 'Sergipe' da farofa, 'seu' Raimundo sapateiro (que nas horas vagas tocava acordeon e animava nas festas juninas, juntamente com seus filhos.

Descendo um pouco mais, atingimos a praça Abrantes, descaracterizada da atual, a não ser pelo velho edificio da antiga escola que passou a ser uma biblioteca municipal.

Subindo a Getulio Vargas, encontro o possivel primeiro 'shoping' de Camaçari no edificio contruido pelo saudoso senhor Egidio Parente e logo a seguir a lanchonete da também saudosa dona Valdelice, doceira de mão cheia e mãe do meu amigo João Carlos, que tive a ingrata noticia de saber que também havia falecido recentemente.

Subimos a Getulio Vargas e vamos encontrar a padaria do velho e sempre alegre Calazans, a pequena loja de miudezas do Jamil e a farmácia de seu pai, o velho senhor Zacarias, que ficava no cruzamento com a rua Costa Pinto.

Passos mais adiantes, a loja de materiais de construção dos espanhóis Miro, Soledade, Antonio e Prazeres, a Comcal, em frente à casa de doma Mimi.

Já estamos chegando ao epicentro deste turistico passeio que é o bar do Xarope, capitaneado pelo enigmático senhor Prudência e sua esposa dona Fátima, mais conhecida pelos mais íntimos, assim como eu, por dona 'Yayá', irmã do conhecido Abdala Paixão, também conhecido por 'Babá Paixão'.

O bar do Xarope era uma espécie de Clube do Bolinha, onde meninas não entravam. Só se não quisessem pois, não havia nenhuma restrição à elas. O bar era, de fato, muito frequentado por homens de todos os naipes e estirpes (inclusive estrangeiros quando pela cidade passavam e vinham 'à reboque' por seus sicerones).

De uma atênticidade sem precedentes, o bar do Xarope oferecia aos seus frequentadores apenas aguardentes e batidas elaboradas pelo próprio senhor Prudêncio, além de coquetéis preparados no momento, assim que a inspiração do atendente permitisse. Eu fui fregues e 'barman' do Prudêncio por longos dez anos e permaneci 'fiel' ao balcão até a derradeira dose, no advento do encerramento de suas históricas atividades.

Além de bar temático pois, só se servia bebidas fortes por alí e, cerveja, nem pensar. Era o decreto do proprietário, tradição esta que só foi quebrada com a sua morte e o pequeno comercio haver passado para a 'administração' pessoal de sua filha caçula, Conceição, o local era um ponto 'cultural' com histórias e informações sobre o cangaço de Lampião e Maria Bonita (histórias que o velho Prudência não se cansava de repitir para quem tivesse tempo e paciência em ouvi-las).

A edificação de Brasília também era tônica nos 'alforjes' de lembranças do velho cabo Prudêncio (sim, ele foi militar da PM baiana e foi para a reserva remunerada como cabo).

Admirado por uns e ignorado por outros, o velho cabo Prudência se enchia de gosto quando lhe 'outorguei' a patente de Capitão e, assim foi tratado por todos os seus fregueses até o dia de sua morte aos treze dias do mes de agosto de 1990, data do meu aniversário. Presente nefasto este meu.

Voltando à realidade do tempo presente e, agora com os olhos bem abertos, vejo uma Camaçari bastante diferente daquele tempo em que o meu Ford Landau podia ser estacionado em cima das calçadas.

Não há mais nenhum vestígio das antigas casas, dos velhos comércios, das pessoas (algumas ainda permanecem).

A cada um que nos deixa as suas saudades, eu costumo dizer que uma página de nossa história é arrancada do livro de nossas lembranças, restando, tão somente as nossas memórias.

Tempos bons, que não voltarão jamais.

A velha praça desembargador Montenegro ostenta hoje um cenário de

modernidade e beleza. A rua Getulio Vargas concentra um séquito de lojas comerciais e fez sucumbir as casas das famílias como a de Zair Cacim e tantas outras. Mas, temos que ceder ao progresso e ao novo e que a nova geração que aí está se incumba de guardar suas atuais memórias para um futuro não muito distante e que elas se tornem, também, uma crônica de saudades como esta que escrevi.

Contudo, e nem tudo está perdido. Quando eu quiser reviver estes bons e agradáveis momentos de uma Camaçari antiga, basta-me tão simplesmente fechar os olhos e sonhar com o passado. Quem sabe ainda consiga ouvir o apito da velha locomotiva puxando os vagões do velho 'Pirulito'.

Bons sonhos para voces também.