Fome oculta
Girei a linha do tempo e meus pensamentos alinhavados foram emergindo.
Fiz uma longa caminhada, circundando algumas partes do Velho Continente, a África.
Vi mães chorando com crianças no colo, como se fossem bonecas caídas de inanição. Já haviam esquecido o paladar da última refeição.
Chegavam ao estado de fome oculta.
A fome oculta é grave provoca efeitos complexos, terríveis e em grande parte irreversíveis, atingindo principalmente as crianças, reduzindo sensivelmente as faculdades físicas e intelectuais.
Perambulei entre um amontoado de barracas azuladas, cujo colorido lembrava o céu.
Adentrei em algumas delas que guardavam corpos esqueléticos, olhos desbotados e corações dilacerados. Aos poucos iam entregando suas vidas às Forças de Luz do Universo.
No silêncio ouvi suspiros pungentes, mergulhados no sofrimento do último momento de apego à vida.
Diante daquela visão tão forte e dramática, minha alma se perdeu numa vereda de dor. Murmurei: “Ah! Mãe África, até quando seus filhos padecerão!”
Continuei minha caminhada e amarguei a solidão.
O belo mundo que sonhei, despencou numa voragem.
Todo esplendor da velha África transformou-se em desencanto e medo.
Meus olhos já estavam cansados das agruras humanas daquele lugar...
Com o espírito atormentado retornei para meu sacrossanto lar.
Anoitecia, quando nasceu no firmamento a primeira estrela e ao seu redor foram desabrochando outras, formando uma belíssima constelação.
Unidas e felizes... Pensei: Por que o ser humano não é como as estrelas? “Logo veio a resposta à minha pergunta, porque a essência das estrelas é pura, nasceram para brilhar e não são egoístas como os homens.”
Desejava esquecer a triste imagem da África, que continuava desfilando na minha memória, pois o impacto da vida subumana foi forte demais.
Cheguei a me sentir culpada e envergonhada.
Permaneci em vigília, a madrugada chegou e encheu meus olhos com um deslumbrante clarão. A lua que fazia seu passeio costumeiro estava altaneira e dominadora. Por alguns instantes fiquei encantada.
Indaguei à lua:- “Como você pode ser tão alegre diante de tanta atrocidade que ocorre na Terra?” Ela bem feminina me sorriu dizendo:- “Daqui do alto tudo vejo. Não posso perder meu brilho, pois minha missão é embelezar a Terra. Se eu perder o brilho face às tragédias humanas, a Terra ficará mais triste e as noites na escuridão.”
Aos poucos a lua desapareceu dando lugar a um lindo romper da aurora.
Emocionada balbuciei algumas palavras: ”Mãe África, um dia seus filhos viverão com dignidade, quando o homem deixar de ser o lobo do próprio homem.”
Baseada em fatos reais...