ONÇA ABATIDA
Embora eu não consiga ler o jornal A Gazeta, integralmente, faço questão de folheá-lo e de me deter nas notícias mais importantes, enquanto tomo meu café a cada manhã. As notícias e charges que eu considero mais importantes, eu as utilizo para ilustrar as minhas aulas e para tornar significativas as minhas questões das provas de Língua Portuguesa e/ou de Filosofia.
Dessa forma, busco que meus “meninos” simultaneamente saibam o que está acontecendo no mundo, aprendam a interpretar fatos e notícias e, também, a expor seus pensamentos oralmente e por escrito.
Em determinado ponto, informo aos meus “pupilos” que existe um “contrato imaginário" entre jornalistas e leitores, baseado nas seguintes crenças: 1. Jornalismo é comprometido com a verdade; 2. Jornalismo retrata a realidade como ela é; 3.Tudo que é interesse do público é enfocado pelo jornalismo; 4. Jornalismo ouve as melhores fontes; 5.Todos têm espaço na mídia; 6. Jornalismo e propaganda não se confundem.
Depois disso, costumo propor interpretação de notícias, às vezes fazendo uma sucinta análise semiótica do discurso dos jornalistas. Em outras palavras, proponho que reflitamos sobre as formas como algumas notícias são veiculadas e inferimos se o acordo tácito está sendo respeitado ou não.
Como sou assinante de A Gazeta há muitos anos, percebo claramente quando algum repórter tentar macular a habitual imparcialidade desse conceituado veículo de comunicação. Nessas horas, se me interessar, eu escrevo coisas que podem ser sintetizadas com a seguinte oração: “Pode parar que eu estou percebendo, hem!” e mando apenas para todos os e.mails da cúpula do jornal.
Se não me interessar, eu deixo o pau quebrar, sobretudo por que percebo que o texto tem sabor de revanche, e que o povo vai se deliciar. Apenas para ilustrar o que eu digo, cito dois nomes: José Carlos Gratz e André Nogueira.
Para quem não se lembra, o primeiro foi o Presidente da Assembleia Legislativa do ES no período de 1996 a 2002, e o segundo foi o seu homem de confiança, exercendo o cargo de Diretor da mesma Casa de Leis.
Poderosos, com penetrações nos mais altos escalões de diferentes esferas dos poderes, eles eram bajulados e freqüentavam as colunas sociais, porque mandavam e desmandavam, vestiam, comiam e iam apenas onde os bacanas costumam ir. “Amigos”? Deviam ter centenas. Bajuladores? Milhares, talvez.
Creio que o Gratz se sentia o “rei da cocada preta”, uma espécie de He-man + Super Homem, pois certo dia eu o vi na TV, vociferando com os jornalistas: “Eu sou invencível!”.
Essa fala deve ter incomodado muita gente que ainda decide certas coisas, pois, de repente, o seu castelo de cartas começou a ruir e os veículos de comunicação começaram a divulgar alguns podres, diferentes dos jogos de azar, seu principal meio de sobrevivência: desvio de dinheiro público, mediante simulação de pagamentos a entidades diversas.
De lá para cá, quando a onça parece abatida e sem o couro, a imprensa vive deliciando o povo: são fotos do Gratz sendo preso, manchetes com letras garrafais sobre cassação, fotos do André Nogueira algemado dentro de camburão...
Analise a riqueza de detalhes desse parágrafo: “Esta decisão é referente ao primeiro dos 60 processos, que somam mais de 400 volumes, a que os ex-integrantes da mesa diretora da Assembleia respondem pela participação no que ficou conhecido como "esquema das associações". A sentença condena Gratz e Nogueira a 25 anos e 6 meses de reclusão e 330 dias multa em dois salários mínimos atualizados. Também foram condenados a mãe, a esposa e dois irmãos do ex-diretor, além do ex-deputado Almir Braga Rosa, o dono da empresa Discovery, João Batista Lima de Oliveira. A sentença tem 190 laudas e este processo reúne 80 volumes.”.
Penso cá com meus botões: se a primeira sentença foi assim, como serão as outras 59? Como farão para ingerir no xadrez pães duros sem Mascarpone (queijo cremoso da região da Lombardia na Itália)? Como esse pessoal vai sobreviver sem caviar Beluga e uns goles de Château Lafite Rothschild 1787, meu Deus?
Bem... se os felinos estão definitivamente abatidos (e não nos esqueçamos dos filhotes que bebiam do mesmo leite e que hoje se encobertam, torcendo para que o povo de tudo se esqueça), dependerá muito da “onça mãe”, pois muitos a temem ou a respeitam. Isso até que outra onça mais forte apareça, claro!