Milú, nosso cãozinho se foi...

Caro leitor, vou cansá-lo com essa leitura. Ela não tem a pretensão literária, mas sim um desabafo, uma manifestação de carinho e de imensa saudade de um amiguinho que se foi... Assim, não continue, pois poderá ser enfadonho, eis que, por mais que possamos nos esmerar nas palavras, jamais conseguiremos transmitir nossos momentos felizes e a nossa emoção. Mas se acaso conseguir emocionar-se também, e persistência nesses devaneios, tenha como certo que você é daqueles humanos, que atualmente tanta falta faz nesse mundão de meu Deus, tão sofrido e equivocadamente chamado de “mundo cão”, eis que se assim o fosse, certamente nele viveríamos melhor!

Havíamos recém chegados de uma longa estadia na Alemanha. As crianças ainda pequenas, com idades entre nove e dez anos. Maio de 1994. Mal chegamos e notícias ruins pairavam no ar naquele 1º de Maio. Nosso maior ídolo então, corredor de Fórmula 1, Airton Sena, se fora naquela curva do circuito de Ímola, na Itália. Curva Tamborelo será jamais esquecida pelo nosso povo.

Afinal, residindo fora do país, com imensas saudades de tudo e de todos, a alegria e orgulho que nos dava ver o tremular da nossa bandeira a cada vitória dele, nos fazia muito felizes. Compensava um pouco más notícias, sempre constrangedoras e deprimentes de fatos, que se noticiavam na Europa sobre o meu amado país.

Foi assim que naqueles dias, veio o cãozinho Poodle conviver com nossa família.

Fora um presente dado à Juliana, no seu aniversário de onze aninhos. O meu voto era contra a sua vinda, antevendo as dificuldades de ter um cão em um apartamento, convivendo conosco. E mais ainda, sabendo que depois todos se apegariam ao bichinho e quando ele se fosse, já adivinhava a tristeza que certamente atingiria a todos.

Antes, eu já havia tido um cão pastor, o King, que foi de certa forma meu primeiro filho, já sabia o que nos esperava. Eles se vão e ficamos tristes demais...

Falar desse cãozinho precisa dizer também a origem de seu nome.

O nome dele foi escolhido pela Juliana, e teve como inspiração, um outro Milú, o mesmo cãozinho fiel e inseparável de Tintim, personagem criado pelo belga Georges Rémi, vulgo Hergé. Hoje, 77 anos depois, o (ainda) jovem Tintim, já tem fama universal e uma legião de fãs de várias gerações, conquistada graças à série de 24 aventuras traduzidas em mais de 45 línguas -além de uma infinidade de produtos associados, como desenhos animados para a TV e para o cinema, séries de rádio etc.

Assim como o nosso Milú, o jornalista Zé Simão, também já teve um cãozinho com mesmo nome, e de mesma inspiração.

Lendo algo sobre esse jornalista encontrei... "qual não foi a surpresa para o jornalista quando Simão descobriu que Billy era um nome comum entre cachorros. “Quando o veterinário colocou o nome no computador, apareceram uns 800”, lembra. Mas isso não foi motivo suficiente para desistência. Ao contrário, é um sinal de persistência. Por perseverança o jornalista foi em busca de Billy logo depois que Milu, um fox terrier pêlo duro, morreu. Milu recebeu esse nome em homenagem ao cachorro de Tin Tin, personagem que dá nome ao seriado em desenho animado. Zé Simão conta que chorou durante cinco dias com a perda. “A depressão é muito grande quando o bicho morre. Se não comprasse outro, enlouqueceria”, desabafa o colunista.

Também não era para menos. Simão e Milu conviveram sete anos juntos. “Quando comprei o Billy, fiquei ligando para os criadores até encontrar. Queria porque queria naquele dia.” Ao telefone, perguntava: “Tem boxer pra viagem?”

E assim ficou, Milú, o companheirinho nosso nos 12 anos que se seguiram, acompanhando nosso cotidiano, nossos momentos felizes e também os difíceis.

Nesse período, ele, mesmo sem saber, foi se transformando no centro da atenção de todos. Foi tomando conta dos nossos corações, foi transformando a nossa alma, nos aproximando, enfim, foi também tendo uma alma e ganhando todo nosso amor e carinho.

Conosco brincava, rosnava, dormia e abusava.

Suas expressões já eram perfeitamente entendidas, bastava um trocar de olhares, ele já entendia, e nós também passamos a entendê-lo. Realmente, só faltava falar.

Quantas vezes não foi motivo de discórdias, queríamos sair, viajar, ir a lugares onde cães não são bem vindos.

Ele ficava, paciente a tudo isso, esperando o veredicto final, o qual, sabia ele, acabava sempre favorecendo-o. Incrível como sabia que estávamos discutindo sobre ele.

Suas expressões eram de felicidade, tristeza, alegria, recolhido debaixo da mesa, enfim, com sua maneira canina de participar das discussões.

Ficaria aqui escrevendo uma quantidade enorme de coisas que ocorreram nestes tempos.

Ele, sempre acabou por entender e agradecer nossas preocupações por ele.

Assim, tivemos repreensões no condomínio onde vivíamos, no condomínio da praia, enfim, ele incomodava a todos, mas por fim, muitos acabaram por gostar dele também.

Mas, existem aqueles também que nunca gostaram, mas, coincidência ou não, eram pessoas amargas, problemáticas, que estavam sempre de mal com o mundo, de forma que também não nos faziam falta. Seguíamos assim, quem não gosta de um animalzinho, nunca estará de bem com a natureza, e estas pessoas, normalmente não nos fazem bem, e incrivelmente, o cão percebe isso também, desprezando maiores contatos.

Para se ter uma idéia, da forma como alguns falam dos cães e seus sentimentos por eles, encontramos em uma composição de Roberto Carlos, uma alusão à maneira de como se expressam os cães quando nos encontram, quando escreveu "meu cachorro me latiu sorrindo"... e isso nos trás de imediato a imagem de um cão abanando o rabo.

Se formos buscar no cancioneiro popular brasileiro, vamos encontrar uma quantidade enorme de composições, onde o maior amigo do homem é citado. Na literatura universal, então, desde os primórdios do homem, encontram-se citações alusivas aos cães.

Mas, o nosso Milú? Bem esse era realmente muito especial!

Para reduzir a história, (sic), em Março deste ano de 2.006, resolvi aceitar mais um desafio fora do país. Assim, aceitei morar um pouco no nosso país vizinho Chile.

O Milú, já encontrava-se meio doentinho, e tínhamos enormes preocupações.

Ele já não anunciava mais muito bem a chegada dos membros da família.

Nos seus bons momentos, apesar de morarmos no quinto andar, já sinalizava pelo barulho do carro ao passar na rua. Quando ouvia então o sinal do elevador subindo, já sabíamos dentro de casa que alguém chegava. A sensibilidade e percepção dele era muitas vezes superior que a de qualquer um de nós.

Assim, naqueles dias antes de nossa viagem, ele teve todo tipo de problemas, nos últimos dias de preparativos, ele já sabia que não nos acompanharia nessa empreitada, e teria que ficar com o Thiago e a Juliana, nossos filhos, que permaneceriam no Brasil, devido a seus deveres a cumprir nas suas respectivas Universidades.

Várias vezes o levamos ao veterinário. Até teve recomendado o seu sacrifício. Mas, quem se habilitava. Ninguém permitiria isso. E eu, junto à veterinária, ouvindo suas explicações, pensava comigo... se tem que morrer, que seja da forma natural, que nos seja levado, sem que tenhamos o peso da decisão de tirar-lhe sua vida, que enquanto pode, tanto nos alegrara.

Que direito e que triste agradecimento o nosso depois de tanto que convivêramos.

Doente deixamos o bichinho, antevendo um retorno no qual certamente não mais o veríamos.

Fiz algumas fotos, e sempre as tinha comigo para matar saudades, e sempre pedíamos outras fotos durante nossa estadia fora. As recebíamos por internet. No meu celular, era a foto dele que se vê até agora como fundo do visor.

E, assim, fomos pedindo a ele que fosse se agüentando até nosso retorno.

Não sabemos bem ao certo, mas o Milú foi melhorando depois, ou alternando períodos bons e maus, como se conformado estivesse com nossa ausência. Mais ainda, confirmava nossa decisão de não tê-lo sacrificado, que antes de ajudá-lo, significava um enorme egoísmo nosso, se assim tivéssemos decidido.

Exatamente cinco meses depois, surgiu uma oportunidade de irmos matar saudades de tudo e de todos no Brasil.

O coraçãozinho dele, já fraquinho, batendo descompassado, certamente poderia não agüentar a emoção do nosso retorno. Mas, ele realmente sabia que estávamos por voltar. Assim, havíamos até combinado a forma de como apareceríamos para ele. Não podíamos deixar que saltasse, que manifestasse muito sua alegria canina, pois tínhamos medo que ele tivesse uma parada cardíaca devido a forte emoção e a maneira dele mostrar a sua incontida alegria.

Chegamos, e ele suportou bem as fortes emoções. Tivemos cuidado e tudo correu bem.

Ficou excelente, e passamos dez dias maravilhosos, e ele nem sinalizava de que estivesse tão fraquinho e doente.

Onde fomos o levamos conosco, inclusive ao sítio, onde ele tinha os outros cães companheiros e a cadela Preta, mestiça de alguma coisa com Border Coolie, pela qual o Milú era fascinado. Fomos juntos até buscar uma ração especial, recomendada pela veterinária, a base de legumes, enfim, nos acompanhou para tudo o que foi possível.

Chegou então, mais uma vez o momento de nos separarmos de novo, nós tínhamos que voltar a Santiago.

Nos despedimos de todos os amigos, dos parentes, e claro, também do Milú.

Até tirei uma última foto dele com o celular, e ele nos acompanhou com os filhos na entrada do edifício, onde tomamos o táxi, cujo motorista era meu cunhado Dinho, que já nos esperava.

Não me lembro bem, mas, não tive tempo de dar uma última olhadinha prá ele.

Assim o deixamos no dia 20 de agosto de 2006.

Estávamos já de novo em Santiago, no apartamento que alugáramos para o período de estadia. Chegáramos no início da madrugada de segunda-feira.

No outro dia, mal tivemos tempo de fazer contatos com nossos filhos no Brasil. Tive aulas de língua espanhola, que sempre começava às sete horas e trinta minutos, quando vinha ao nosso apartamento a Sílvia, argentina, nossa instrutora de espanhol. Em seguida fui para o trabalho.

À noitinha, quando voltei, estava me preparando para o jantar, quando toca o telefone, chamando-nos a Juliana.

Deu-nos a triste notícia: o nosso Miluzinho tinha partido para sempre.

Abateu-nos uma imensa tristeza, fiquei ao telefone sem falar quase, e imaginando a Jú, com o cãozinho já sem vida junto dela. Ficamos arrasados, embora, já esperássemos isso, mais cedo ou mais tarde. Mas sempre é algo que não queremos passar. Ele não suportou mais um abandono.

Pensamos um montão de coisas a fazer, como por exemplo, levá-lo para enterrar no nosso sítio, mas isso era impossível, já que não iríamos para lá tão breve, e não justificava rodar os 120 quilômetros até lá, e outro tanto de volta. Pensei até em congelá-lo e esperar até o próximo fim-de-semana. Mas, tudo isso já não importava. Talvez só pudesse reduzir um pouco nossa dor pela perda.

Por fim, a missão difícil ficou para a Juliana, que cuidou do seu cãozinho como uma filha cuida de uma mãe enferma ou pai necessitado de cuidados na idade mais avançada.

Restava então agora, dar um destino àquele corpinho inerte.

A veterinária, quando se suas ofertas para abate, ao perguntarmos sobre como ele se livraria dos animais sacrificados, sugeriu que um veículo da prefeitura tinha a função de levar os restos de animais que ali ficavam após sacrificados.

Assim, dia 21 de agosto de 2006, nosso amiguinho voltou pro céu, de onde provavelmente tinha vindo... para conciliar uma família, para dar um pouco de luz, para alegrar momentos difíceis, enfim, para nos ajudar a viver e entender mais da natureza, da felicidade, da tristeza, e de todos os sentimentos que nos movem nessa nossa passagem,

No dia 10 de setembro, minha mulher acordou dizendo ter sonhado com o Milú, conversavam, e ele ia dizendo de suas dores, de seu coraçãozinho, como lhe doía as costas com dores nos pulmões quando esforçava-se para respirar...

Fomos à missa, e no caminho conversávamos sobre as nossas dificuldades com ele no apartamento, e que às vezes, minha esposa, que é professora, saía lá da escola, pegava o carro, ia até em casa, com o único objetivo de dar uma voltinha com ele. Quanta coisa deixamos de fazer, em função desse amiguinho, que provavelmente não terá substituto, como fez o Zé Simão, como a repor um amigo...

Fiquei impressionado quando busquei algumas comunidades de apaixonados por cães, e os relatos que ali encontrei, e o desespero dos que recentemente tinham perdido seus fiéis companheiros.

Depois disso, voltamos ao Brasil mais duas vezes. E eu, por vezes na sala de casa tive impressões de que ele estava ali, ou passava rápido de um lugar para outro. E por vezes, me peguei olhando debaixo da mesa, enfim nos lugares onde ele costumava ficar a no observar.

A Juliana me demonstrou algumas vezes como foram seus últimos momentos, ali inerte no tapete da sala, após ter tido uma parada e convulsão. O pegou, o abraçou, mas qual o que. Chegara enfim o momento mais difícil... cansado, cumprido o seu último esforço e sua espera para nos ver a última vez, não suportara mais uma separação e sensação do nosso abandono. Assim, logo após nossa partida, entregou-se ao seu destino e partiu...

O Thiago, sequer pode ou gosta de lembrar dos procedimentos recomendados pela veterinária, embrulhando-o em um saco plástico e deixando-o ali enroladinho, para, na manhã seguinte ser levado à clínica e depois para incineração.

Certamente até nesse momento, ele estava a nos ensinar, a aprender a conviver com situações de doença, com velhice, com cuidados especiais, enfim, aquele cãozinho, nos ensinava a sermos um pouco seres humanos.

É, vamos demorar a esquecer, ou seja, jamais esqueceremos nosso amiguinho. Fica em nossa lembrança a sua imagem em posição sentado, com aquela carinha de quem estava sofrendo, ou ainda quando lhe chamava de forma mais ríspida e ele me atendia a passos lentos,quase se arrastando, submisso, ou ainda em momentos onde pulava feliz, e me recebia todos os dias, subia no assento e depois em cima da mesa para receber meu abraço, e enquanto isso não ocorria, não completava o cerimonial da sua recepção e saudação amistosa, ou ainda, para comer, esperava nossa incitação ameaçando roubar-lhe as guloseimas, para que então rosnasse, latisse e disputasse conosco seus alimentos. Que saudades!

Obrigado Milú, pelo seu amor pela sua convivência, pelos seus ensinamentos...

Jujú, Thi, mamãe e papai te amaram muito, agora fique aí, quietinho...

Onde?

Ora, no céus dos cachorrinhos!

...Se o caro leitor chegou até aqui, e se emocionou, obrigado, suas lágrimas por certo demonstram a grandiosidade de sua alma...

MARCO ANTONIO PEREIRA
Enviado por MARCO ANTONIO PEREIRA em 03/12/2006
Reeditado em 16/11/2019
Código do texto: T308028
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