CAFÉ COM BOLO
A noite caindo, o povo da casa se juntando na cozinha, e o costume de todo dia: fazer o bolo pra comer de noite. Na fornalha do fogão as achas de lenha crepitando. O braseiro luzindo, estalando nas lascas secas. Brasa que dura, das fortes, tudo de acordo pro bolo não ficar cru, meio branco, com aquela cara descorada...
Sá Maria batendo a massa na gamela. A colher de pau misturando ovo, açúcar, sal, manteiga, leite da Cabrita, que não é cabrita, mas a vaquinha de estimação de Nanã. Vai agora o fubá tirado do moinho d'gua, tocado pelo Ribeirão da Estiva, tudo ali mesmo nos fundos da casa
— E pra crescer o bolo? Nanã, interessada em tachos e panelas desde miudinha, indaga.
— Ah, é um tiquim dês pozim branco que inventaro. Pozim milagroso pra crescê as quitanda, adquiri lá no povoado, na vendinha do Tavico. Inhantes punha memo era só cabornate... Prestava, não! Dava um gostim ruim, zangava o bolo.
— Vai queijo, não, Sá Maria?
— Vai, e essa é a mió parte, minina.
As grossas fatias de queijo meia-cura misturadas ao creme fofo e amarelinho. É queijo da casa mesmo, feitinho todo dia, lá pelo meio da tarde, quando o leite já bem coalhadinho é coado nos panos branquinhos e posto pra escorrer o soro nas formas de pau bem amarradas com embira de bananeira. Hum... Queijo branquinho, sal bem no ponto. Bom de lembrar...
— A massa tá boa, Sá Maria?
— Tá, minina! Num tá dura, nem meaça desandá. Já trenei a mão... Nem perciso mais de medida.
A caçarola de ferro batido, na primeira trempe. Untada com um tico assim de banha que é pra massa não grudar. Bonito, a mistura se esparramando até pela metade das bordas... Vai ficar bom, dá pra adivinhar.
— Agora a tampa, minina! Corre lá, traz a tampa, aquela tirada do fundo da lata de 20 litros que guardava banha. Cabe direitinho in riba da caçarola.
— E as brasas, Sá Maria?
— Ah, bem semiadinha in riba da tampa, móde o bolo num ficá mais assado dum lado... Veiz em condo é bão tiçá, móde elas num morrê. Ciênça dos antigo, minina...
— E as brasas na boca da fornalha?
— Nada de brasa, minina! Qué que o bolo quême tudo antes de cunzinhá dereito? Criá um cascão pretim por baxo? Nein! Por baxo, só memo um calorinho, que é pra assar do memo jeitim...
Armadinha a tampa de brasas. Vai demorar um tiquinho, mas pra que pressa? O bolo é pra comer com café, servindo de merenda. O povo jantou depois das 5, a fome ainda tá longe, ó... Deixa o bolo ir chegando no ponto, bem devagarzinho. Depois ainda tem de fazer o café, né? Café só é bom na horinha que passa... O coador de pano bem lavadinho, a água pelando, o cheirinho correndo na casa com jeito de aconchego, coisa que só tem na roça.
— Quê que a gente faz esperando o bolo assar, Sá Maria?
— Ah, o sô Mandico, seu vô, bem que podia contá uns causos pra nóis, daquês lá de condo nossinhô andô pelo mundo...
Vô Mandico sempre começa com um “condo nossinhô andô pelo mundo...”. E causo bom é de lamparina apagada. Primeiro que é pra não gastar “criosene” à toa. Depois, porque na escuridão pensamento não vê porteira. Além disso, quem falou que precisa de luz alumiar pra gente contar e escutar causo, né?
— Nossa, o bolo cheirou! Tá no ponto!
— Cruzincredo, Nanã! A gente começa alembrar dos tempo que passou e quais dexa tudo quemá, passá do ponto. Acende a lamparina, aí, gente!
O bolo cheira na mesona de aroeira do meio da cozinha. O café sai num minuto, que a água já deu fervura. Café frio, Deus o livre! Trem mais sem graça. Ainda mais pra comer com bolo da horinha... Vamo lá, Sá Maria, que a boca tá que é um poço d’água de vontade de provar esse bolo moreninho, que mais parece chaminé soltando fumaça de tão quentinho... Ah, e esses nacos de queijo esticando e derretendo num puxa-puxa sem fim? Coisa mais boa, uai!
— Tá bão, minina?
— Ô, Sá Maria, então não tá? É trem pra guardar sôdade pro resto da vida interinha...
*Para a mineiridade de Maria Mineira.