Eu não vivo em guerra

As vezes eu sonho com a minha infância, época em que eu jogava bola na rua até meia-noite, então exausto de tanta correria me sentava na calçada com meus colegas olhando o céu azulado com pequenos pontos cintilantes até que alguém sugerisse uma nova brincadeira, na maioria das vezes pulávamos corda ou quando a disposição era imensa fazíamos o meu favorito: esconde-esconde. Voltar para casa era a penúltima coisa a se pensar, a última talvez fosse dormir.

Meus pais nunca se preocuparam com minha segurança e olha que vivíamos em uma vila na periferia da cidade. Épocas de calor excessivo a regra era dormir de janelas abertas, já no frio extremo ficávamos todos reunidos em uma única cama bem unidos, o conforto daquelas noites frias são hoje fruto de sorrisos amistosos e olhares que imploram para que possamos voltar e reviver aquilo novamente.

Em algum ponto da história eu perdi tudo isso, por mais que eu me esforce não consigo detectar o fator decisivo para uma mudança tão drástica no cotidiano, ainda não voltamos para a ditadura, pelo menos é o que dizem as más línguas. Muros altos, grades eletrocutadas, alarmes, câmeras sensíveis a calor, cães de guarda, segurança privada armada, segurança pública armada, segurança, armada e eu acabo de listar o kit básico do meu bairro atual.

Me pergunto o motivo de tanta precaução algo de muito valor deve estar sendo guardado dentro dessas fortalezas, pena que eu só consigo ver valores sendo perdidos. Eu utilizaria uma residencia dessas caso eu morasse em uma ilha cujos vizinhos fossem canibais e eu, infelizmente, a última refeição. Creio que eu não iria durar muito de qualquer forma sem mantimentos.

Estamos em um ponto em que admitimos o perigo potencial dos nossos semelhantes a nós. Vivemos em uma sociedade que aposta contra ela própria, estamos esperando que alguém venha e tente pular nossos muros e roubar nossos bens, aguardamos pacientes ao lado da janela o agudo e interminável som do alarme do carro que entrega vergonhosamente qualquer garoto que acabe de atingi-lo com sua nova bola.

Já ouvi dizer que é necessário o Mal para coexistir o Bem, mas eu nunca compreendi muito bem o significado profundo e brilhante que levam as pessoas a fazerem essa citação com orgulho e convicção. Criamos descaradamente o mal na nossa sociedade e logo em seguida o culpamos, o investigamos, o julgamos e por consequência o condenamos por atos que sem dúvida não partiram exclusivamente dele.

Olho para tudo isso e não vejo esperanças, eu devo estar no meio do túnel e este por sua vez deve ser imenso, mas eu acredito que não seriamos sádicos o suficiente para criar um túnel sem inicio e sem saída, a luz deve estar lá nos esperando.

Eu passei a ter medo, mas não foi da vida e sim do que estão fazendo com ela.

Bartuka
Enviado por Bartuka em 05/07/2011
Reeditado em 17/11/2012
Código do texto: T3076725
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