Saudade...

Rua da minha infância... Que bom! Está igualzinha como a deixei. Improvável caminhar os teus caminhos sem que a emoção invada os meus... O olhar se perde no imenso que é teu mar, asfixiado pelo murmurar das ondas encontrando a praia, numa suave e melancólica melodia.

Percorrer o calçadão em preto-e-branco é viajar no tempo. Fecho os olhos, desperto minh'alma e me vejo correndo, brincando, chamando, chamando alguém que vive em mim. O coqueiral, ao balanço do vento, ensaia uma canção que recita uma história. Rua mágica, tu guardas segredos infantis, mistérios...

Vê! Aqui, exatamente aqui, nesse lugar, mora um velho de barba e cabelos brancos. Ele me lembra Crusoé. Seu barraco de madeira embrenhado na mata parece um esconderijo de piratas, mal-feitores, mas ele apenas faz palitos. Sempre foi o meu passa-tempo favorito, como uma aventura psicodélica, escutar as histórias do velho que sabia contar histórias.

É preciso continuar, quero reinventar cada momento. Ah! O que vejo agora? O castelo! Logo, logo, a maré subirá; então: - Lançar-me-ei às ondas do alto da torre! Bem, o castelo nada mais é que um velho pau-brasil plantado à beira do mar. A cada maré alta, as ondas cavam as areias de suas raízes, deixando-lhes à mostra. A jangada abandonada recostada ao seu caule divide a angústia de existir um dia sem amanhã.

- Fabuloso castelo, deixar-te-ei por agora!

Mais a frente está O Laçador, o restaurante do meu pai. Uma construção típica de beira de praia: na frente um cercadinho de toras de carnaúba unidas por correntes, deixando aparente o seu interior, cheio de mesas, cadeiras, pessoas, repleto de vida, vida de minha mãe... Ao fundo, esculpidas na parede, figuras mitológicas e sereias.

Mais uns passos adiante, deparo-me com a antiga casa. Um pouco mais e... não me contenho. Os olhos mareados, a imaginação voa, vai buscar tempos longínquos: murro verde bandeira, grade de proteção dando para a pequena sala de estar, o portão de madeira da garagem, o pinheiro. É isso; vejo-a intacta, perfeita, vejo-a como um retrato de mãe.

Rua da minha infância: o cachorro chato latindo ao som dos meus passos; o bancário que teve sua casa assaltada em plena luz do dia, diante de todos; acreditava-se que ele estivesse de mudança. Que mancada! Rua da minha infância...

Por impulso, sigo em frente sem olhar para trás. Logo à frente, a estatua de Iracema me espera, fria, distante, longe das noites alencarinas. Sopra a brisa oeste; traz consigo o gosto do mar, salgado como salgadas são as lágrimas da saudade.

Rua velha, recordações indeléveis, aventuras e desventuras da infância tão distante e tão próxima. É hora de abrir os olhos, faço isso, volto-me e vejo atrás de mim, edifícios de apartamentos, neón, boites, hotéis, restaurantes, prédios, prédios, prédios, arranha-céus e saudade...

MARIA DE CASTRO
Enviado por MARIA DE CASTRO em 05/07/2011
Reeditado em 05/07/2011
Código do texto: T3076685
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