A liberdade rackeou a minha rotina

Sinto-me um corsário livre na mata, mas ainda percorrendo o minúsculo espaço de um círculo.

Sinto-me uma águia ultrapassando os limites da minha própria liberdade sem ter a ideia, ao certo, da onde quero chegar.

Sinto-me liberta das algemas mas ainda presa a certas lembranças.

Sinto-me forte no percurso mas demasiadamente fraca na linha de chegada.

Sinto que luto exageradamente para defender minha espontaneidade sem saber, exatamente, o que farei com ela.

Sinto que defendo veemente as minhas ideias revolucionárias mas ainda sinto-me despreparada para a batalha.

Sinto que como uma mulher adulta, desdenho as opiniões alheias a meu respeito, porém, sofro como uma menina frágil, com as consequências dos meus atos impensados.

Sinto a doce sensação da independência, amargando, ao mesmo tempo, as horas solitárias que passo sem uma companhia.

Gargalhadas coletivas me rodeiam, mas não impedem que lágrimas intrusas invadam o meu coração, mesmo sem minha prévia permissão.

Braços amigos envolvem minha rotina diária, sem com isso substituirem os abraços amantes que ladeavam, todos os dias, meu fim de tarde.

Sempre quis cuidar da minha própria vida mas nunca abri mão de ser cuidada por outra...

Sempre almejei gritar ao mundo as minhas teorias mas nunca abri mão de ser calada subitamente por um beijo...

Sempre defendi minhas idéias malucas por isso mesmo nunca abri mão de atos insanos de amor...

É estranho... é cômico... é preocupante esse estado transitório de letargia. É como se a minha vida estivesse em stand bye, em observação, no corredor de dois mundos, entre duas faixas vibratórias. Às vezes apresento súbitas melhoras, em outras, recaídas homéricas. É como se sentisse-me livre da doença mas ainda dependente do veneno.

Hoje, apesar da atração incontestável que sinto pelas baladas da vida e pelas noites regadas a vinho e poesia que passo maldizendo as convencionalidades e os moralismos hipócritas desse mundo, confesso que não sei exatamente o que fazer com a minha própria liberdade. Não fui treinada para domar os meus próprios sentimentos e as conseqüências inevitáveis da minha imatura espontaneidade.

Apesar de ter conquistado a vitória, não tenho a mínima noção onde guardar o troféu dessa minha independência.

É como se eu estivesse liberada para correr uma maratona mas necessitasse, nesse momento, de colo, de silêncio e de cuidados...

É como se as minhas vastas teorias sobre esse assunto e meu passaporte livre para explorar as alturas estivem liberados mas não garantissem nenhum sucesso no meu vôo livre.

Por muitos anos aprendi a viver no banco do carona e agora não sei o que fazer com a direção da minha própria vida. Sem um manual de instrução, tenho receio de engatar a primeira e seguir pelo caminho incerto desse destino. Tenho medo de alcançar uma alta velocidade e não perceber que estou trafegando na contramão da minha felicidade.

Sinto-me assim... como eu sempre almejei.

Sinto-me bem... como eu sempre quis.

Sinto-me só... como eu há muito tempo precisava.

Mas também sinto-me fraca... como eu jamais esperava.

Sinto-me insegura... como eu jamais imaginava.

Sinto-me assim, sem conseguir, na íntegra me auto-definir.

Sinto-me exatamente como se minha vida tivesse sido invadida por um racker chamado liberdade. Meu manual de sobrevivência foi bruscamente apagado, fazendo-me sentir sem referências. É como se os dados da minha história tivessem sido alterados. É como se a minha senha tivesse sido alterada pelas mãos matutas do meu próprio destino. E eu, sem um programador de sistemas ao meu lado, estou sentindo extrema dificuldade para redefini-la.

Enfim, esse é o preço que pagamos por não fazermos um backup diário das nossas perdas e dos nossos ganhos, permitindo que a vida escorra pelos vãos do tempo e da comodidade sem termos a plena centralização desses arquivos em nosso comando. É por isso que jamais devemos informar a senha da nossa vida para ninguém... hoje tenho a plena certeza disso!

No meu caso, sinto que os amigos verdadeiros estão sempre ao meu lado, tentando amenizar, um pouco, esse mal estar , que espero ser passageiro. A sensação imediata é de total insegurança, de total impotência. O medo do destino e do imprevisível é algo que paralisa, e assim, como acontece em qualquer outra invasão, hora ou outra o passado sairá fora do ar e a vida me obriga a criar outro perfil... com novas fotos, com novas palavras, com novos amigos, com novos desafios e por que não, novos relacionamentos?

Devagar, novos depoimentos poderão ser aceitos pelo meu coração... e outros recusados pela minha covardia... mas com certeza, minha vida pegará no tranco novamente... nem que seja para empurrá-la no abismo. Somente um combustível não poderá faltar nesse processo: a esperança.

A esperança de dias melhores, de noites mais claras, de calores mais intensos e de vendavais mais avassaladores, afinal, ninguém pode negar que é preferível viver dez anos voando sobrevoando o arco-íris do que cem anos se arrastando na escuridão...