Made in China

Ele já estava na sala quando eu entrei, sentava-se ereto e mantinha postura distante, alheia. Não sei bem quanto tempo ficamos ali, havia muitas outras pessoas naquela sala, mas discretamente eu o observava. Parecia comum, mas intimamente eu sabia que não era e por isso me chamava a atenção. Pessoas incomuns me atraem como imãs. Alguma coisa de mistério nesta minha deliciosa analogia; sempre foi assim, desde que eu era pequena, quando admirava o povo cigano como se fosse a minha família. Numa determinada época, passei a estudá-los e a conviver com um bando de ciganos, fantasiava que era cigana também. Vestia-me como tal, levava certa semelhança, os cabelos um tanto crespos nas pontas, longos e escuros, nariz afilado e grande, olhar rápido e astuto, tiras coloridas amarradas nos pulsos e na testa, por debaixo dos cabelos revoltos. Atraem - me as areias do Marrocos e tenho a sensação que já estive lá.

Ele apareceu assim inesperadamente. Disse boa noite, sentou-se ao lado, educadamente. Como executivo portava-se perfilado, diplomaticamente sedutor e muito rápido no raciocínio. Experimentei alguns assuntos em pauta no mundo e suas respostas eram inspiradoras, extremamente bem colocadas, com posicionamento, mas também com brechas à discussão. Usei alguns exercícios de velada sedução. Sua raquete verbal, bem esticada, rebatia com maestria minha jogadas. Diplomático. Intrigante.

Assim fomos nos acostumando todos os dias quando então já enfiava os dedos entre os fios de seus cabelos, desarrumando-os. Muitas reuniões, viagens ao exterior, compromissos. Mas sempre voltava.

Com o passar dos dias, descontraiu-se um pouco e em meio a frases de paixão, arriscava falar sobre seus desejos, carinhos e tesão. Um amor made in China.

Dizia-me que a vida deve ser vivida em cada movimento, em cada sensação, em cada desejo. Falava de cumplicidade, afinidades, fortes emoções. Falávamos sobre tudo, mas uma dessas falas me tocou sobremaneira; dizia sobre o sol e sobre a lua, enamorados e distantes, em profundo descompasso com o relógio do tempo, “se aqueça com os raios de sol durante o dia e a noite, curta o luar e que ambos te tragam muita energia positiva ”, disse-me ele.

São assim as coisas que acontecem na China, quando o sol se levanta aqui no Ocidente, na China é hora da lua reinar absoluta, plena e prateada.

Neste final de semana em homenagem aos enamorados, desejo que tu curtas muito, que sejas feliz, que te deixes embalar pelos sonhos e devaneios, pois assim como diz uma música do Roberto Carlos, “ pode ser amor, pode ser paixão, pode ter até outra explicação..”, vamos ter que conferir sempre, afinal o que vale mesmo, é ser feliz.

Nunca soube seu nome. Mas trago suas iniciais gravadas com fogo no meu imaginário de mulher. Um amor da China.

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